sábado, 17 de maio de 2014

Poetas

O que dizem os poetas.

Diz Manoel de Barros, tem mais presença em mim o que me falta.
Diz Rimbaud, par delicatesse j'ai perdu ma vie.
Diz Saramago, o caracol não rejeita o dedo que lhe toca, encolhe-se.

Inteligência

Que inteligência era na verdade um fenômeno social. Inteligência era comunicação. Mas então havia outra coisa. Que também estava ali. Essa outra coisa que não era a comunicação e portanto não existia em termos de inteligência, em termos de diferenciação, em termos de algo que se podia comunicar. Não era o corpo. Corpo era comunicação. Que seria. Desejos, sonhos, psiquês, transmutações. Tudo inteligência, tudo linguisticamente catalogado. Esse quê, que permitia a expansão e contração do que estava linguisticamente catalogado.

Havia alguma coisa impronunciável, indizível, intangível, qualquer coisa que de etérea que não era, era um vazio que preenchia os espaços da não-existência (um problema pra inteligência era certo a existência desta coisa impronunciável). Havia algo duro, algo que não se podia ir contra, porque não havia para ele um nome. Não havia para ele inteligência ou transmutação. Este algo estava ali, dizendo-se o princípio de tudo que existia. Era tudo além, o que não era comunicação, o que não era inteligência. Algo que estava fora do escopo das coisas inteligíveis.

A interrupção do aluno,
mas no final das contas eu não tive nenhum professor porque nenhum professor existia ou porque eu nunca me sujeitei a ser aluno?

Inteligência é comunicação. É social. Não havendo sozinha e isolada em um indivíduo.

É enciclopédia da análise de fenômenos. Não, não é memória. Catalogação de fenômenos como livre associação. Não tão livre assim. Pouco tem a ver com memória.

Inteligência é discurso. É catálogo linguístico. É a possibilidade máxima de se exprimir. O que se pode sentir, desejar, a capacidade de se emocionar,  a capacidade de descobrir, tudo o que não existe é a possibilidade de colocar em evidência no discurso um encadeamento linguístico. Inteligência vai portanto até que nossas possibilidades semióticas a neguem a passagem "até aqui está bom".

Contudo há também o que não é inteligência... porque em todo nossa maneira linguística desenvolvemos uma ambivalência corriqueira: aquilo que é, e aquilo que não é. Se existem outras maneiras que não a ambivalente de olhar para uma situação, estaremos por descobrir no futuro.

Se então há a inteligência deve haver, no mesmo discurso do que é e do que não é, o que está além que faz a inteligência expandir ou contrair por exemplo. Há algo que está ali e não está, algo que não é pronunciável.

Tudo que não está no nosso catálogo linguístico não existe. Mas aí está quase o abismo de um argumento em que me faço perguntar, o que é o "não existir", se existe o não existir. E ele está ali, o não existir, bem ali, algumas palavras atrás. Se isso é garantia de sua existência, não é questão de meritória arguição...

Uma volta para a caixa de memória

Seis meses sem aparecer aqui no blog, a caixa das memórias. Fiquei até preocupado, desisti, pensei. Nossa, finalmente, desisti. Cresci. Mudei. Deixei essas coisas menores, sem importância. Quem tem tempo pra escrever memórias (de gente desimportante e sem-graça), quem tem tempo pra escrever sobre si, perguntou um amigo meu com escárnio, esperando de resposta os desocupados. Então eu finalmente pensei: é isto, estou inserido na sociedade, agora me ocupei, me ocupei de coisas importantes e notáveis que fazem a sociedade evoluir, pois que não tenho tempo nem mais subjetivo suficiente pra escrever um blog com textos. Mas agora pensei se desisti das memórias, da subjetividade que estava neste blog, do ato de escrever. Ou se, simplesmente como disse mudei. Mudei é uma palavra mágica. Era mudar verbo intransitivo. Magina, quandé que amar vai ser lá intransitivo, tão exigentes como somos e grandiloquentes no amor, amor todo cheio, amor gordo, amor lascívio de condições, de quereres, de necessidades, de imposições. Amar verbo transitivo sim senhor. Mudar é que parece que não precisa de nenhum contexto ao seu redor. Mudei e ponto final (mas como? mas oi?). Porque "mudei" não quer dizer nada. (E quem é que muda alguma coisa?).

Pois é, seis meses de abstinência, ao final voltando à mesma subjetividade. Porque quem é que disse que tristeza passa. Quem é que disse que solidão passa. Quem é que disse que não ter amigos passa. Essas dificuldades da vida, que como disse o poeta são meio que dores de concha extraviada. Alguém por acaso já viu concha extraviada voltar a dar abrigo pra quem extraviou. É porque do mesmo jeito, alguém já viu ter abrigo para a solidão. Para a existência de tristezas, para a dificuldade de comunicação com as pessoas. A concha extraviada, segue o poeta, é o que sou, sou muitas pessoas destroçadas, sempre que as nuvens, estando no céu, me cruzam de arribação. Uma dor de pedaços que não voltam. A xícara se quebra, não se reconstrói. Como se vê num filme: es como si... se me hubiera roto algo adentro... que ya no sé si tiene arreglo.

Turandot desafiando o príncipe ignoto, ed ogni note nasce ed ogni giorno muori, la speranza. E sua irmã gêmea, a tristeza (da esperança), que, morre com Dido

"When I am laid, am laid in earth, may my words create no trouble in thy breast...
Remember me, but AH! Forget my fate..."

Tristeza que se lembre de mim, pelo amor de Deus, mas AAAAAAH! Apague (esqueça) meu destino...

Está aí... a tristeza. Ou uma pequena parte das reminiscências da tristeza, escritas na discursividade hoje.