segunda-feira, 27 de julho de 2009

Nostálgica.

Chove lá fora. Tão lindo. Tão calmo, sereno, e um pouco triste. Noite com chuva de verão. A chuva de verão como a que chove agora pede alguma música preparada, já presa no inconsciente: o concerto 3 de Rachmaninoff, no momento, depois da cadência em que a orquestra e o piano silenciam numa voz única na mão direita da pianista, cantando um lamento unicamente lindo, belo, unicamente poético, pleno de serenidade, depois do festival de trovoadas que foi o chegar até ali...

A chuva lá fora e este momento do concerto são iguais, são a mesma sensação. É um momento de pausa nos pensamentos dolorosos, um refúgio pras consciências que se doem. É um Claire de Lune, de cima do prédio, no mato, na beira do lago, no reflexo da água, nas retinas do outro, ou só no pensamento. É impossível ser ruim. Se diz que disse Lênin na Rússia Czarista, ou pararia de escutar a Apassionata de Beethoven, ou não faria a revolução. Diz-que-me-diz-que.

Diz-que-me-diz-que, que Saramago diz também em seus diários, que se uma música pudesse representar o que ele sente, ou sua pessoa, como seria por dentro (além da "uma coisa dentro de nós que não tem nome, essa coisa é o que somos"), deveria ser o Estudo n.7 op. 25 de Chopin (isso, pelas próprias palavras dele, para não apontar aí um "escândalo" como a "Paixão Segundo São Mateus" de Bach, uma obra de tal porte, seria um disparate escolher algo como, para dizer "isto é o que eu sou, isto é o que eu sinto").

Já estive a me perguntar, o que é que move as montanhas do debaixo da minha pele, mas não encontrei. Gosto e sou, pra não dizer, me identifico como se fosse parte do meu corpo. E toda vez que ouço uma coisa linda e nova... ah, isso é tão precioso... tão bonito. Como se apaixonar e ser correspondido. Foi assim, com o concerto 1 pra violino e orquestra de Bruch. Toda vez que escuto, é como se a minha própria pessoa, se tudo em mim, o corpo, a consciência, ou simplesmente as moléculas, tomassem corpo nas notas, tornando-se eles mesmos parte do que escuto. Tão lindo... tão precioso, tão bonito. 

Seria-me impossível apontar sou como esta, ou como aquela música. Posso dizer que agora, sou como este concerto e amanhã, como um quarteto 2 pra piano e cordas de Saint-Saëns (o que foi há algum tempo na verdade), mas de fato, todas essas sensações ficam... Elas me habitam de maneira que cada vez que ouço de novo, ... É tão lindo...uma lembrança à "nossa, isso existe, e é tão lindo... porque você esteve tanto tempo fora de mim?"

Nas memórias inconscientes, dolorosas, saborosas, prazerosas, amedrontadas, a que mais guardaria com gosto pra um dia dizer: queria ser assim, a que eu guardaria pra não conseguir perder, seria essas sensações das músicas... Gostaria sim, (ah como eu gostaria) que todo mundo pudesse compartilhar de tais memórias, de tais sensações, mas por muitos fatores isto é - presente, passado e futuro - impossível. Principalmente porque, mesmo que acessível, mesmo que todas as pessoas possam escutar essa música... Ela não vai trazer a todos e nem a uma maioria, muito provável, essas memórias.

Isso é único... não é exclusivista, mas uma pequeneza que me faz diferentinho de alguns e próximo de outros.
À pieguice pedimos escusas, mas. É o que permite que meu coração conecte direto com o coração de Bruch. Com o da violinista que sola, dos músicos da orquestra, e do maestro, e de mais todos os que quiserem e tiverem vontade de estarem conexos, formando uma unidade...

Não viveremos só de dores, e porradas. Precisamos de refúgio no escaninho de alma. É difícil, e cada um precisa achar o seu.

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