sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morre Saramago

Saramago morre. Morre e já deixa a vida.

Uma tristeza enorme me acompanha no funeral de José, o Saramago, o escritor mais humano do último século, que lutou e usou de toda a sua genialidade, de toda clareza intelectual que possuía contra o totalitarismo, contra o fanatismo, contra a miserabilidade, contra o mal do espírito que não cabe no bolso, contra o assassinato das consciências individuais.

Sinto-me como um pedaço arrancado do peito. Disse Fernando Meirelles que o mundo ficou mais burro e mais cego. 

Contudo, muito mais grave que isso, o mundo ficou mais selvagem, menos humano, menos reflexivo e mais propenso ao autoritarismo. Autoritarismo, genético, este que Saramago sempre escancarou nos seus livros a dizer: toma cuidado, assim é que somos.

É uma tristeza imensa continuar no mundo sem Saramago, Como se uma consciência poderosa e grandiosa, uma consciência sutil e sensível se apagou de repente. Dói sim, bastante.

Despeço-me dele, e fico órfão, já que Clarice e Caio Fernando há muito não estão por aqui, com um trecho comovente do "Evangelho Segundo Jesus Cristo" (cuidado, trecho do final do livro, não recomendado para os que não leram ainda), como muitos outros em todos os livros que li dele. 

"(...)Jesus morre, morre, e já o vai deixando a vida, quando 

de súbito o céu por cima da sua cabeça se abre de par 

em par e Deus aparece, vestido como estivera na barca, 

e a sua voz ressoa por toda a terra, dizendo, Tu és o 

meu Filho muito amado, em ti pus toda a minha complacência. 

Então Jesus compreendeu que viera trazido ao 

engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua 

vida fora traçada para morrer assim desde o princípio 

dos princípios, e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue 

e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar 

toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria, 

Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que 

fez. Depois, foi morrendo no meio de um sonho, estava 

em Nazaré e ouvia o pai dizer-lhe, encolhendo os ombros 

e sorrindo também, Nem eu posso fazer-te todas as 

perguntas, nem tu podes dar-me todas as respostas. Ainda 

havia nele um resto de vida quando sentiu que uma 

esponja embebida em água e vinagre lhe roçava os lábios, 

e então, olhando para baixo, deu por um homem 

que se afastava com um balde e uma cana ao ombro. Já 

não chegou a ver, posta no chão, a tigela negra para onde 

o seu sangue gotejava."



Nenhum comentário:

Postar um comentário