Preguiça é uma palavra mentirosa e poderosa. Quando a palavra preguiça é dita em voz alta, mais propriamente, quando o fulano diz para o cicrano 'a sua preguiça', junto com ela vem um véu de mentira que esconde vastas coisas por 5 ou 6, ou talvez mais séculos (pra nós são 5).
A mentira da preguiça foi contada aqui pela primeira vez por portugueses quando chegaram ao nosso subcontinente. Porque foi o europeu que disse neste português que escrevemos, ele disse sub, e naquela época sub se chamou, e sub ficou, já pensamos desde cedo, sub que somos, acometidos no espaço pequeno de ser sub. Indolentes.
Pra justificar a superioridade dos que não tem natureza indolente e preguiçosa, criar contraposição, os preguiçosos, índios. Daí seguiram com os preguiçosos negros. Depois, bem depois, nasceu também os preguiçosos brasileiros. Hoje além destes todos a gente tem também os preguiçosos pobres, é claro. Os ricos como sabemos são árduos trabalhadores e meritocraticamente-eticamente entitulados à sua fortuna por seu bom trabalho e de seus descendentes diretos ou indiretos. "Sim, tem tudo isso, toda esta riqueza, mas trabalhou sabe? A vida inteira por três turnos, quatro se deixassem. E a família toda é assim." A mentira da preguiça limpa bem as consciências dos que não conseguem justificar riqueza. Uma vassourada bem trabalhada.
Ou podemos dizer "esta gente misturada, preguiçosa", fazendo apologia a todas estas quatro imagens-figuras, com incrível poder de síntese.
Na história, a ordem cronológica do aparecimento dos preguiçosos variou do supracitado, mas hoje nos é claro este quadro. É claríssimo aliás. Quando a palavra preguiça é dita, junto com ela segue o rabo: "índio-preto-brasileiro-pobre", nesta ordem de imagens talvez. Isto é tão poderoso que mesmo com 500 anos de história contadinha-vividinha em dias-e-dias-e-dias mais de 170 mil, milhões e milhões de horas de milhões e milhões de brasileiros conversando num imenso continente, um barulho inexorável capaz de pagar qualquer ideia forte que seja, poderíamos dizer, mas esta mentira é tão poderosa e tão forte que 500 depois continua sendo a primeira imagem que surge pra gente quando a gente conta nos dedos a preguiça.
É de estória em estória, de jargão em jargão, de tradição em tradição, transmitida de pai pra filho, filho pra neto, bisneto que a emoção nos é passada... As palavras vão girando, girando, girando umas nas outras ao longo dos tempos, e vamos ministrando bem essa oração.
A mentira da preguiça da natureza indolente é dominante, gostosa, mantenedora de status quo. É aquela que diz que a natureza das pessoas, AQUELAS pessoas é a indolência e a preguiça, aquela que fundamentalmente se usa deste argumento para gerar dominação: social, trabalhista, capital, sentimental, psicológica, religiosa.
(A preguiça também se sofistica em certos círculos sociais com certo requinte ou não. Você precisa ser mais pró-ativo. Sair da sua zona de conforto. Precisa ser criativo. Fracassou? Não tentou com suficiente aplicação à causa, não dedicou horas/dias/semanas/meses/anos suficientes. Ainda hoje corre nas ruas uma também de que "é só se esforçar que você vai chegar lá". Dizem que é uma preguiça do capital.)
Que preguiça eu tenho do capital. Preguiça capital, de tudo isso, preguiça daquelas de se afundar no sétimo inferno de Dante.
Sugiro escrever a palavra preguiça sempre riscada daqui por diante com o comentário "mas é mentira tá gente?" em tamanho de fonte de nota-de-rodapé.
Porque afinal de contas com tantos monstros andando no meio da gente há tanto tempo. E precisamos rir com coletividade deles com um gosto-gostoso um sabor docinho-azedo, de nossa preguiça. Porque quem precisa dar nome à preguiça, quem precisa negar preguiça, quem precisa "eu não sou preguiçoso", quem precisa "porque el@ é preguiços@". Este desespero, quem precisa, precisa para criar dominação e exclusão.
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