terça-feira, 12 de junho de 2012

Tagesbuch 1

É estranho. A Europa me traz lembranças e me dá sensações estranhas. Havia tanta coisa bela para se ver, tanta coisa interessante... Museus, paisagens, castelos, casas, hotéis, igrejas, paragens, teatros, salas de concerto, pontes, construções, ...

Ao mesmo tempo, aquilo era tão distante do que o que eu era...

Eu não era nada, de fato. Mas muito menos aquilo...
Era muito estranho ver tanta beleza, viajar e ver tanta coisa linda e diversa, tanta gente diferente, mas estar ao mesmo tempo absolutamente sozinho e sem par nestas viagens. Não ter enfim, ninguém para compartilhar estas viagens que se faz absolutamente sozinho.

Trata-se em parte de uma tortura.

Fiquei pensando que nós... só nos definimos enquanto sujeitos, como o que somos pelo que os outros são. Nos definimos por contraste. A verdade é que sem os outros não somos nada. Sem nosso em torno não somos nem mera imaginação.

Aí é que está a essência do meu período europeu: me definir por contraste através daquilo que eu passava: nada naquilo era o que me significava... Estava plenamente sozinho.

Estar plenamente sozinho é bom. E também ruim. É ruim. Desesperador. Nunca ter par. Ou ter pares sempre parciais... sempre de insatisfação. Ao mesmo tempo, apenas sozinho, na sensação de se estar completamente sozinho se pode descobrir qualquer pequena compreensão sobre o mundo.

Fiquei já horas pensando em como poderia ter passado um período melhor. Um período legal, diferente, com amigos, com uma sociabilidade mínima. Depois pensei em todo o resto, em como eu me vejo em meu eu-por-dentro, em minhas angústias, e acabo concluindo que não poderia ser muito diferente daquilo que foi... por vários impedimentos. Um dos grandes é o fato de os alemães serem bem mais fechados que os brasileiros. Muito mais reservados. Não no geral, não os 80 milhões de alemães e os 200 milhões de brasileiros. Os que estavam no meu em torno. Outra grande dificuldade é a língua, que pra mim acontecia como um rascunho... tudo que sei de alemão, pra expressar tudo que gostaria de expressar, é um rascunho apenas. E outras dificuldades como não conhecer ninguém de início. Como ser gay e estar entre brasileiros, árabes alguns alemães, alguns outros homofóbicos, de início. Por estar sozinho então em Tübingen... Como estar muito acima do peso, estar gordo demais...

Teve uma parte interessante, depois pensei. A pesquisa. Não engrenou como deveria, mas foi interessante, aprendi sim métodos novos e coisas legais, coisas que me podem ajudar eventualmente num futuro.

Então voltei pra casa, voltei pro Brasil, para acabar o doutorado. O fim do namoro, e o final do doutorado (que não acabava), me fizeram sentir perdido dentro de mim. Estava lá. Jazia... Não sabia o que querer pra mim. Tenho clara uma sensação na cabeça. Fui fazer concurso no Crato. Voltei. Lembro de ao chegar de volta no apto, a 1 da manhã depois de um dia todo de viagem pensar qualquer coisa como "me deixem praticar meu desencarne A-GO-RA!" (Era uma sensação em que não sabia qual destas era mais: se o cansaço da viagem, se o concurso que não dera certo, se o continuar perdido na vida).

Daí conheci Guixo e uma nova luz veio se acendendo. A conexão que eu tinha perdido todos estes anos, que eu procurava, finalmente tinha encontrado... Ou parecia que tinha. Depois de alguns meses, voltei a ficar sozinho, para terminar o doutorado que nunca terminava. Guixo em Berlim no doutorado sanduíche...

Depois teve um segundo período europeu... já vai quase há um ano este. Tão diferente e igualmente tão difícil. Aquela que era pra ser a grande viagem, de alegria e felicidade e que no final, acabou sendo um motivo enorme de tortura, uma dor que me persegue até hoje, e que nunca me deixa em paz.

Concluí. Finalmente cheguei a concluir que de fato estava jogando meu refúgio, minhas esperanças de vida segura, minha identificação, tudo isso estava colocado no lugar errado. Não propriamente colocado no lugar errado... Estava "depositando apenas" (em algum lugar) como se fosse meu refúgio, minha fonte de vida, minha razão, meu bem mais precioso, aquilo que me daria toda estabilidade. E o fato é que nada disso existe nem nunca existirá. Não existe refúgio. Nem vida segura ou identificação.

Esta é uma grande conclusão. Que demorou a me chegar. Gosto de chegar a conclusões de maneira orgânica... só na pele é que se conclui alguma coisa. E as visões do mundo que tenho construído que se vão sobrepondo, estas, as mais duradouras, são as que vincam mais fundo na pele.

Tive até uma pequena epifania sobre o poema do Rilke, "Der Tod des Dichters", que começa com
"Er lag." Pensei exatamente: é isso! Er lag!
Morto ou não, não existe nenhuma segurança. Ter segurança é uma ilusão. Então "Er lag" pode significar o "eis tudo": jazer... uma intransitividade infinita. Um não estar conectado. Resolvi que escreveria finalmente um conto sobre isto dos 11 que penso sobre a Sinfonia 14. Vamos ver se meu por dentro me ajuda.

Ps. Aparte a tudo isso, eu NUNCA, nunca me esquecerei das (infelizmente poucas) montagens de ópera que vi no Sttutgart Staatstheater...
Quero NUNCA me esquecer daquela Aída com Chariklia Mavriopoulo no papel de Amnéris que me faz ainda chorar de emoção muitas vezes que eu lembro...
Nunca me esquecer de Maria Siri no papel de Leonora do Trovatore e aquele miserere, que estou todo arrepiado.
E aquela Liú, mais doce do mundo do Signore Ascolta, do Tu che di gel sei cinta... Nunca, absolutamente enquanto tiver qualquer sanidade, me recuso a esquecer...(ai... exatamente no dia em que fiz 28 anos...).

E aí está a ironia final: estava e estou ABSOLUTAMENTE sozinho nos momentos mais belos. Além de nunca os esquecer, nunca os poderei compartilhar...

Nenhum comentário:

Postar um comentário