Era isso. Depois do começo intenso de namoro, depois da virada cultural juntos no show da Maria Rita, Dafne e Ricardo acabaram por descobrir que não tinham mais nada em comum. Nem todas aquelas pequenas coisas do início do namoro colocadas ali no chão entre os dois fariam sentido como o lugar - comum pra ambos: nenhum dos dois estava ainda ali. Eram muito bons os discos do Roberto Carlos, ótimas as músicas da velha guarda, a Roberta Miranda, o Iê iê iê, que delícia os filmes do Tarantino ainda em VHS, e Nancy Sinatra cantando "My Baby Shot me Down". Tudo bom e memória longínqua. Nenhum dos dois estava mais ali. Nenhum deles ia se tornando aquilo. Era mais o que tinham se tornado. Que tinham se tornado, que não podia pra ser reescrito. Fechado pra reacontecer.
Sobrou: fazer uma paixão daquilo que se tinha passado e não do que poderia vir a ser. Sobrou o que não havia mais lá. Sobrou continuar até um fim - que veio breve.
Com o fim, à Dafne restou vender o abajour-luminária em formato de Anjo que Ricardo deu de presente, esmero de sua avó. Ricardo bebeu todas as garrafas de whisky que pode da marca blacklabel, igual àquela que ganhara no dia de 6 meses de namoro (e lá isso é data pra se comemorar? ia pensando enquanto se embebedava).
Depois do fim, exorcizaram todos os demônios, beberam toda a volúpia de um no outro pra que não ficasse nenhuma memória cruzada, nenhuma lembrança desautorizada, nenhuma sobra que não te quero lá.
Queriam extinguir o fato, extinguir a razão de um no outro e o existir desencontrado que fizeram juntos nestes poucos meses. Se tivessem máquina de apagar memória, usariam. Na falta, jogavam todos os demônios que tinham pra cima destas últimas lembranças. Fumar todos os cigarros. Beber todos os whiskies. Vender todas as coisas. Se desfazer. A ordem era imperativa: não deixar permanecer em si, sombra do outro.
Era como a morte ao contrário. Quando se morre, se morre e pronto - lembrou Dafne o trecho de memória, Olímpico de Jesus dizendo a Macabea, mas que bobagem este negócio de sentir falta de si quando morrer... Uma morte ao contrário: que se quer morrer e que não morre.
E vendiam sobretudo o maior dos medos. De que aquilo tudo, as sensações, os cheiros, as corporificações inconscientes, os lutos, as gargalhadas e orgasmos ficasse preso num corpo psíquico, um que nunca se pudesse vender.
Porque no final das contas, no lugar comum de si mesmos... não cabiam entre eles de tanta paixão frêmita sobre outro... de tanto ardor adolescente, e tanto desejo pelo orgânico do outro. Só a conclusão de que não tinham dali por diante absolutamente nada em comum em suas vidas, e de que faltaram horas-dias-semanas de inconsciente, não foi suficiente pra dispersar o encontro do quentinho de um no outro. E ninguém dos dois queria.
Queriam mesmo era vender esse quentinho. Se vingar dele.
O quentinho na verdade é que se vingava dos dois. Estando sempre por ali, ria e ria e tornava a se rir com gosto de tudo.
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
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