segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Militância Gay

Militância gay é, vejam que engraçado: ó, perdi minha família.

Militância gay é, fidelidade ao que se pode ser fiel, sem nunca ser traído que é a verdade de dentro, a que não atravessa nem volta, não sai nem entra, apenas está.

Militância gay é, eu não pertenço a nenhum destes lugares, a nenhum destes nichos, a nenhuma destas pessoas, a nenhuma destas situações, não sou com ou sem soda, não sou satisfação em revê-lo, não sou vestidos em ternos, nem marcha pela família com Deus e a liberdade. É um olhar e apenas um olhar no meio da multidão: desculpe, você não pode entender...

Militância gay é, muitos "mas não conte a ninguém que você é gay", muitos não ter palavras pra conversar sobre eu-gay, muitos, esqueça, ele ou ela não vão nunca entender, porque nunca poderão sentir o que eu sinto, sentir como eu sinto, não poderão entrar por dentro de mim, pra ver o que me vai ali. É na verdade tantas vezes que você vai ter que levar isto na cara, espinhosamente, vai levar, ficar sem respirar, vai levar engolir seco.

Militância gay é aceitar o preconceito, aceitar a humilhação de peito aberto, não porque seja gostoso apanhar e sofrer, mas só e tão somente pra não se enganar com "o preconceito não existe", com "mas o mundo está bem melhor", com "mas aqui não tem tanto preconceito", com
"eu não tenho preconceito". Por que além está mais preconceito, aquele que vem além da palavra. E que não se leia errado o aceitar dum preconceito e humilhação, gostar de e achar que tudo está bem, mas aceitar que isto vai acontecer, porque está além do nosso controle.

Militância gay, muito mais do que uma parada, exige a parada da vontade de permanecer dentro de uma casa que pega fogo porque lá fora afinal está chovendo...a parada de um coração que se nega a si mesmo. É um último suspiro em desistir do mundo, em desistir da realidade, que te diz unicamente pra você desistir de você.

Militância gay é, vejam que direto, uma faca no peito: desistir da família. E desistir da família dói...


Militância gay é, vejam que notório, tomar que quase todas as religiões, as que deveriam ajudar o homem no sagrado, as que deveriam lhe revelar a alma, e os caminhos até ela, (não importando se de fato ela existe), negam o acesso aos gays, lhes dizem, vocês foram exilados pra sempre das terras do sagrado.

Militância gay, só acontece em nível intracelular, intranuclear, quando os genes se enveredam e se abraçam amorosamente soprando pra você como agir e você não nega isso.

Militância gay é, vejam novamente que engraçado, a percepção de que você sempre tem que lutar pra ser aceito, como se tivesse vindo ao mundo com 6 cromossomos a menos. É a percepção de que, de dentro pra fora, você É SEMPRE menos, não importa o que faça...Mas que fique claro, você não é menos de dentro pra fora, mas de fora pra dentro...

Sejamos sinceros... estar engajado em uma militância gay exige muito mais do que ter um cabelo multi-colorido, do que dançar e rebolar travestido e do que vestir uma bandeira de arco-íris.

Exige não negar a sua realidade que é violentada a todo momento trocando-a por um sorriso gostoso, trocando-a por um gosto muito de você, trocando-a por um mas eu não tenho preconceito, trocando-a por a família é mais importante ou ainda, (quisera, Deus nunca tivesse inventado essa frase), mas você nem parece viado.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Mais.

A loucura mais doente: Lucia e Lady Macbeth.

A mais ensandecida: Rainha da Noite.

A vilã mais digna: Amnéris.

O corno mais nobre: Rei Marke.

A morte mais nobre: Gilda.
A mais escandalosa: Violetta.
A mais transtornada: Isolda.
A vilã mais soberana: Turandot.
A morte mais dolorosa: Liú.
O mais beberrão: Duque de Mântua.

O mais fofo: Papageno.

Nasci para ser torturtada: Tosca.
O pegador: Don Giovanni.
A mais perigosa: Carmen.
Finalmente um casal gay: Lulu.
O mais Sandy: Tamino.
O desengano mais doloroso: Madame Butterfly.
O mais tonto: Mustafá.

Macabea

E passava o dia todo fazendo cara de não tenho cara de nada, pra ninguém desconfiar as coisas que pensava.

Paixão

A pré-disposição da paixão é o suicídio ou a loucura. Se ela não acabar assim, nunca vai se consumar. Paixão que se transformou pra outro caminho, não mudou, fugiu...

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Alltag

Wer bin ich zur Zeit,
Ich weiß es wirklich nicht genau.
Trotzdem komm schnell beiseite,
erzahl was führt das Herz so grau...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Aída em Stuttgart

Final de semana conturbado com Aída em Stuttgart.(Há um mês).

Entre camarotes e penduricalhos pra casacos, nos sentamos pra assistir uma montagem modernosa, da ópera, pra mim, a mais magnífica de Verdi.


Nunca tive boa impressão de óperas modernosas, porque as poucas que assisti em Mannheim não foram muito interessantes. Vi uma montagem de Traviata sofrível, até com algumas idéias interessantes no palco, mas a impressão era "o palco está vazio porque não temos nada pra dizer..."

Uma coisa semelhante com a Bohème, a Flauta Mágica e outras.


Depois de apagadas as luzes começa um frio na barriga: o que será agora... expectativa e medo. E começa a ópera: UM CHOQUE. No primeiro ato, os escravos, não eram os do figurino habitual: maquiagem escura e farrapos pra vestir. Os escravos estavam pois em posição de quatro, como poltronas! Depois de milhões de montagens tradicionais, parece que chega uma, te chacoalha, te esbofeteia, te diz: peraí, você não tá entendendo, eles são escravos. Isso mesmo, ES-CRA-VOS...


É a diferença entre assistir um Pasollini, "I 120 giorni di Sodoma" como ambientado no encrave nazista, e assistir um "The Schindler's List". Minha impressão de que quando se contam estórias e fatos de povos "desafortunados" historicamente (pra ser bem suave, no predicativo), tendemos ao sentimentalismo exagerado, que dissipa termodinamicamente o efeito histórico. Qual é o efeito histórico, é o de dizer: foi assim, não se pode esquecer. E me parece que mais do que A lista de Schindler, a idéia clara é a do filme do Pasolini. É impossível nele 1) se colocar como superior à situação (coisa que inadvertidamente acontece no outro caso), 2) saber que há certo e errado (o que de fato não há), 3) tirar algum sentimento bom do filme: ai que gostoso, os malzinhos, ó como foram malvados, e olha os bonzinhos ali! Agora sabemos o que fazer com os malzinhos e com os bonzinhos, então tá tudo bem! (...)


Neste sentido, CLARAMENTE, o filme de Pasolini é uma representação da realidade (muito mais que o outro). Mas não era este o assunto.


O assunto era o choque de ver os escravos: são poltronas, onde os generais egípcios e o povo se sentam. Eram poltronas...

Bom, aí vem Radamés canta o Celeste Aída, declara seu amor eterno à escrava etíope, lindamente, cantam Radamés, Aída e Amnéris, e entra o rei e o povo.


Quando pela primeira vez do tema "Su del Nilo al sacro Lido", o segundo choque. O povo egípcio jurando "lealdade" com uma saudação qualquer coisa parecida com a nazista, mas com mão fechada! (lembrando que a saudação nazista é proibida na Alemanha).


O tema grandioso fecha com o "Ritorna Vincitor" de Amnéris e do povo. Depois que Aída canta a ária do "destino funesto" que caía sobre ela

(i sacri nomi di padri, d'amante

né profferir poss'io, ne ricordar;

(...)

Numi pietà del mio soffrir), entram em cena as sacerdotisas, o que desta vez foi um deleite musical... projeções lindas de cerimônias "religiosas" com elas e Radamés (a religião tinha um certo apelo ao sexo, mas não puramente ao sexo, ao sexo como parte sagrada). Sincronia e afinação entre orquestra, sacerdotes: perfeitas...


Finalmente na última cena do primeiro ato, mais um tapa na cara: Radamés era carregado e saudado por todos e conclamado como herói, como o "objeto" da lealdade do Egito. Todos estavam e pensavam com ele, a religião inclusive, "Numi, custode e vindice." E a representação máxima disso foi a cena do trono sendo carregado enquanto era saudado pelo povo com o semi-gesto nazista: dinheiro era colado sobre o uniforme... Qualquer apologia à nossa situação seria mera coincidência.


Então no segundo ato, o duelo entre Aída e Amnéris. Não sei o que era mais lindo. Cantavam as escravas. A roupa delas: um vestido branco desses de comerciais de margarina feliz, onde eram projetados tanques de guerra invadindo (onde - ?). Entre elas, Aída é incitada a falar sobre o amor por Radamés, pra Amnéris, pela própria. Uma das cenas mais cínicas da história da ópera, (Povera Aida, (...) Io son l'amica tua... Tutto da me tu avrai, vivrai felice!(...) Ben ti compiango!). E um duelo de vozes potentes. Bem ao estilo verdiano, com melodias lindíssimas, cheio de nuances e provações.


Finalmente Aída confessa o amor por Radamés... pra ser imediatamente humilhada por Amnéris (qualquer semelhança com novela mexicana será mera coincidência rs*):

"Pieta ti prenda del mio dolor.

È vero, io l'amo d'immenso amor.

Tu sei felice, tu sei possente,

io vivo solo per questo amor!"

Resposta de Amnéris:

TREMA VIL SCHIAVA!


Este trecho é um dos duetos mais lindos de toda história da ópera. E sem dúvida uma novela mexicana...


No final do segundo ato, estão as marchas e as glórias ao Egito e à Ísis. Mais um choque: as escravas têm o figurino: uma saia verda limão parecendo garota propaganda de refrigerante, e um boné escrito: Egito.


Isto foi um estupro... Apologia clara e manifesta: culturalização de povos dominados... Exemplos do que se passa conosco, e eu quase caí no chão vendo as "egitetes" dançando glória ao Egito, glória à Isis, glória a Radamés. Queria me jogar no palco e espancar todo mundo... Queria gritar, dizer me tirem daqui, queria, queria, queria, mas continuei assistindo, do camarote...


E assim, com o estômago revoltoso, tivemos um intervalo pra recuperar o fôlego.

A volta com o início do terceiro ato, Aída canta sua ária linda, "qui Radames verrà, che vorrà dirmi", seguida pelo dueto com seu pai rei dos etíopes, Amonasro.


Que coisa mais linda é este dueto...nem sei o que escrever sobre ele. O final, é o piano mais lindo da ópera,

"-Pensa che un popolo vinto straziato,

Per te soltanto risorger puó...

-O patria, o patria, quanto mi costi!"

E neste costi, seguido de "o patria, quanto mi costi", foi uma choradeira...

"Coraggio! Ei giunge, là tutto udrò."


Entra Radamés que acaba por falar a Aída sobre o exército egípcio: ouvido por Amonasro, "atrás dos panos".

"Tu Amonasro, tu il Re

(...) io son disonorato, per te tradi la patria, tradi la patria!"

E haja novela mexicana.


No fim do ato, Radamés se entrega aos sacerdotes que o julgarão.


O quarto e último ato é o absurdo musical... é o fechamento da ópera é, parece que a hora de Amnéris dizer: ESTA ÓPERA É MINHA! Logo no começo vem o duelo entre ela e Radamés,

"Già i sacerdoti adunansi", seguido pelo julgamento deste. Amnéris acaba dizendo que a desgraça de um coração despedaçado irá jorrar o sangue sobre os sacerdortes que o julgaram culpado... E haja coração (o meu), pra agüentar Amnéris duelando (duelando leia-se: quem grita mais!) com os sacerdotes e Ramfis (o chefão), gritando desesperada seu amor por Radamés, e uma tempestade na orquestra...

"L'anatema d'un core straziato

Col suo sangue su te ricadrà..."


Esta cena do quarto ato é a minha preferida. Absurdamente pesada, dramática e beirando quase à loucura:"Empia razza, anatema su voi!" grita Amnéris amaldiçoando os sacerdotes... Musicalmente NUNCA vi um espetáculo mais bonito... passei quase a cena inteira arrepiado! Um zilhão de orgasmos múltiplos. A mezzo que cantou em Stuttgart, quando abria a boca tremia o teatro todo. A voz dela encobria coro, orquestra, público, encobria o que tivesse na frente! Uma mezzo grega de nome Chariklia Mavropoulou. Bem à medida da ópera. Como disse antes, a impressão final, do quarto ato é de que a mezzo sai da partitura e diz: desculpem, mas esta ópera é SÓ minha!


O desfecho, a última cena do ato é o enterro de Radamés vivo, e Aída que aparece lá pra dar oi (cf. morrer junto). Afffeeeee Maria...Ser enterrada junto na tumba de Radamés ninguém merece...


De novo a montagem da cena me fez tremer nas bases.

Os escravos como poltronas sendo projetados, em filme, no fundo. No fundo. No fundo, a guerra e os escravos iriam pois estar ainda lá, na tumba de Radamés e Aída.


E assim foi Aída em Stuttgart. Um estupro artístico do início ao fim... Um espetáculo que tenho certeza nunca vou ver coisa semelhante.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

In Meine Liebe

Ein Leid überträgt die Schönheit.
Nichts kann schöner als sie sein.
Wie die unsichtbareste Abwesenheit
abgeschnietten und bestreut mit Zeit.

Ganz faul verbringt sich die Zeit
lebendig geht plötzlich weiter an
leckt die Gegenwarts und weint
was sie nicht sich werden kann.