quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Desgraça

E quando a desgraça chega cedo demais?
Quando chega em tempos de juventude, quando a tragédia vem sem avisar?
Já li há pouco tempo que... "O diagnóstico de uma doença grave e incurável é um abismo no qual você é empurrado sem aviso. E sem pára-quedas. E se você tá esperando um "mas" aqui, sinto lhe informar, não tem. Não no meu caso. Não teve revelação divina. Não teve fé súbita em alguma coisa maior. Não teve uma compreensão mais apurada das dores do mundo. O que dá, assim, de cara, é raiva. Porque a vida já caminha na beirada do insuportável sem essa foice tão perto do pescoço. Porque já é suficientemente difícil estar vivo sem esta sentença de morte lenta e degradante. Dá vontade de acreditar em Deus, sim, mas só se for pra encher Ele de porrada."

Quando a desgraça chega mais cedo, quando bate por aqui ou por ali pela porta da frente, ou às laterais, você se ajunta, conserta a colcha de retalhos que ficou de si... vai consertando com a ajuda de quem te ajuda, não de amigos e amores imaginários, mas só daqueles que te aparecem pra ajudar e amar... Você se levanta e anda como pode, um pouquinho por dia, com a ajuda destas pessoas, que você não fez escolher, que muita vez, não são as pessoas que você queria escolher pra tar do seu lado nos momentos mais dolorosos, que muita vez, não são nada disso, só calhou a ironia da vida em mostrar que não te cabe decidir quem são os bons e os ruins. Que muita vez, são as pessoas que estão ali te estendendo a mão, apenas, elas não são as mais beatas, nem as mais boazinhas, muito menos as mais politicamente corretas...

Bom, eu gostaria de desejar a todas as pessoas que eu conheci que conheceram doenças que lhe interromperam alguma esperança sobre a vida... gostaria de lhes desejar o melhor, sem saber o que isto significa ao certo. Um desejo capenga...

Penso constantemente nestas que encontrei, e nas que não encontrei, com um desejo de paz... o mesmo desejo da faxineira preta-preta-preta que no descuido do destino que sussurrava guloso enquanto engolia seu existir, de roubar uns momentos de descuido.

Roubar uns momentos de descuido de um destino pesado. Uma hora, um dia, um mês, um ou alguns anos, ou uma vida de descuidos. É este o meu desejo...

sábado, 22 de outubro de 2011

Oh Mensch!

Oh Mensch! Oh Mensch,

gib acht! Was spricht die tiefe Mitternacht?
Ich schlief, ich schlief - aus tiefem Traum bin ich erwacht -
die Welt ist tief und tiefer als der Tag gedacht.

Oh Mensch! Tief!

Tief ist ihr Weh,
tiefer noch als Herzeleid.
Weh spricht: vergeh.
Doch alle Lust will Ewigkeit,
will tiefe, tiefe Ewigkeit!

Faz tempo que eu queria fazer uns pequenos comentários não especializados (e portanto completamente amadores, de todos os pontos de vista e dispensáveis) sobre esse trecho do Zaratrusta aproveitado pelo Mahler na terceira Sinfonia...

Não sei se se pode dizer que ele é um trecho síntese do pensamento nietzscheano (não se pode!), mas é certo que ele é muito significativo. Significativo pelas certezas a respeito do super homem, ou melhor, do homem que, vivendo pelo presente, vive pela sua própria dor e desgraça. Que, sabendo do abismo inexorável que se aproxima (além de todos os abismos da vida, a morte!), decide se jogar nele rindo e dançando.

Versos simples, leves e belíssimos. Vejamos.

Tenham cuidado oh homens com o que fala o "misterioso" meia-noite. (O meia-noite fala:)
"dormi, dormi, e de um sono profundo
fui acordado
onde o mundo era um abismo,
maior do que pelo dia dado."

Pois não está já aqui a negação da verdade? A negação da necessidade de determinar o que é o mundo (determinar a verdade), determiná-la tão só e unicamente como um produto de nosso medo de morrer? (E que pra me deixar mais pasmo, aparece como um sonho?)...

IRRA!

Dormindo o meia-noite descobre que: o mundo é muito maior do que o que o dia (razão) poderia teorizar (pensar)! Veja-se que metáfora belíssima! E é a noite (meia-noite) quem descobre isso, dormindo!

IRRA-2!

Então, o que o Mahler faz com este primeiro verso? Um misterioso lindíííííííssimo, que, se não é a própria representação de um sonho com revelações (ou revelação, na verdade, de que, o mundo é maior do que "a verdade" pode anunciar - maior do que o que se pode anunciar de fato), é pelo menos uma tentativa de se o expressar. (Acho que os alemães que tem uma tendência irritante a analisar tudo antes de sentir, dizendo qualquer coisa como "boa tentativa temos aqui caro Wilson!"). LINDO! (o primeiro trecho de Mahler é lindo, não os alemães).

Bom, aí continuamos com o segundo trecho, o desenlace, que é onde se situam a diferença entre a música e a poesia, entre puramente Nietzsche e a leitura mahleriana.

Oh homens, profunda é sua dor!
Êxtase, êxtase! Maior mesmo do que toda agonia!
A dor fala: deixa ir
e todo êxtase à Eternidade se queria!

O desenlace para Nietzsche é: não negue sua dor, não negue seus temores e o medo da vida, o medo da morte, homens, a dor maior do que toda agonia (um êxtase contrário?)...
Mas dentro de tudo isto, o próprio olhar da dor é: "se joga pintosaaaaaaaaaaa"! Se deixe ir na sua dor, carregue ela junto consigo, ao cair no inexorável precipício da vida (oras, você definitivamente acabará morto!), se jogue dançando, bailando, rindo!
Então, e só então: este é o êxtase a eternidade!
(Magina que exagero nietzscheano! Se eu tivesse vivo nestas alturas vendo ele escrever este último versinho, daria um tapinha na mão dele e ordenaria: corrija! Já!).

Mas ainda bem que tem o Mahler pra consertar tudo... que... no trecho da revelação nietzscheana, coloca uma grande interrogação! Pois no segundo trecho, Mahler acorda do sonho, e a música fica toda trabalhada na tensão! Uma tensão forte até o "tiefer noch als Herzeleid" (maior mesmo que a sua agonia!), sim, afinal, os versos estão a nos dizer, oras, meus pequenos (homens), profunda (incontável, absurda, insuportável) é a sua dor! (O pequenos eu adicionei porque lembrei do Nelson Rodrigues). Maior mesmo que a agonia! (Incalculável, veja-se o drama nietzscheano).

Mas o que é pra Nietzsche o desfecho e a resolução de todos os pobremas, deixem-se cair oh homens nesta dor, na dor da vida, carreguem-se com ela... é pra Mahler... uma PERGUNTA!
Uuuiiiii que dignidaaaadeeeeee!

Sim, meu bem, Mahler quando coloca a mão no trecho "Weh spricht: vergeh" que é a maior personificação do homem que não vive o platônico-socrático-cristianismo, faz isso perguntando, com grande dúvida: e é?

Deixar-se ir? Deixar-se cair nos pequenos abismos, e mesmo no abismo em direção à morte (porque afinal não temos outra saída) dançando, e rindo alto? E é? Em Mahler a certeza de Nietzsche continua como agonia...

Mas como Mahler quer terminar tudo com final feliz, a tensão se resolve quando o êxtase se eterniza (mas acho que faltou explicar qual é este êxtase mahleriano... que em Nietzsche era o "Weh spricht: vergeh").

Qual será o êxtase mahleriano?

(...)
(...)
(...)

Ai cansei dessa vida de pensar coisas inúteis sobre gente morte que ninguém lê ou se importa ou escuta e vou relaxar com a Waltraud Meier.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Irene Pós-Bandeira

A faxineira preta-preta-preta, a faxineira que limpava os quadros e as salas das Universidades.

É um martírio irônico (ou um mártire irônico) que a faxineira preta-preta limpando os quadros e o chão das salas das Universidades públicas, os lugares sagrados no Brasil, os lugares em que tudo se pode. Lugares em que tudo se seduz, lugares que te levariam às alturas. Lugares. Um lugar que mais sagrado não há, onde se tudo inventa, onde se fizeram e discutiram mil mundos melhores e mais justos que os melhores teóricos marxistas jamais puderam pensar, onde a vida de todos os cidadãos de uma sociedade está resolvida, onde todas as suas neuroses se encerram ou iniciam. Onde o super homem é inventado, e o homem demasiadamente humano, onde se pesa pondera e escreve mil vade mecuns e justiças. A faxineira preta-preta limpando os quadros e as salas. Vai limpando as justiças empoeiradas de giz no quadro.

E porque não dizer, a faxineira preta-preta que limpa os quadros e as salas, as latrinas, as retretes, as sentinas e os urinóis mictoriados deste lugar cheio de sexualidades, lugar foucaltiano, nietzscheano, beauvoiriano, lugar em que se discute que ninguém nasce mulher, mas pode se tornar mulher. Lugar aristotélico, kantiano, espinoziano, cheio de éticas para os bem-viveres, éticas cristãs, éticas budistas, xintoístas, reformistas, candomblistas, neo-paganistas, cheio de códigos morais.
A faxineira preta-preta vai limpando o quadro de giz.

E num Anel planetário na aula de Cosmologia traz pro lugar infinitos cosmos e a beleza de objetos astrofísicos desconhecidos, objetos sedutores como buracos negros que a tudo aprisionam, objetos dos quais nada escapa a sua vontade: também estes objetos são sugados pela força do apagador da faxineira preta-preta que vai apagando com calma.

A faxineira preta-preta suja de giz escrito: ninguém é sujeito da autonomia de ninguém.
A faxineira preta-preta e o sexo, o sexismo, o machismo, a revolução sexual. A faxineira preta-preta e o seu direito ao sexo, ao orgasmo, o seu direito ao sujeito sexual, à identidade de gênero, tudo isso é muito assegurado sim senhor nas aulas de ética contemporânea, de direito, senão o penal, o civil, senão o civil, o trabalhista, senão o trabalhista, o de família. À faxineira preta-preta, já lhe podem dizer: mas agora você tem o direito ao orgasmo, não é porque a bíblia dizia que não, agora já pode, já lhe é assegurado. A faxineira preta-preta apaga do quadro o direito ao orgasmo.

A faxineira preta-preta entra na aula das histórias gerais dos povos, nas aulas de economia marketing e administrações, entra na época dos palmares e sai na época da palmatória econômica, naquela que asseguram senão o direito à escravidão, o direito à subserviência a um sistema, já assegurado desde os mais mancebos segurares, direito social que alhures não sei aonde, nenhures lhe assegura o nada.

Tudo isto... fica pra trás quando a faxineira preta-preta-preta limpa o quadro, joga o lixo dos rascunhos na vala comum. Fica pra trás junto com tudo o que a faxineira preta-preta tem, uma cidadã de segunda classe, de terceira classe, ou quarta, de quinta categoria nesta Universidade e fora dela, uma invisível. Uma cidadã diferenciada no bairro de Higienópolis.
Era um lugar assim em que a faxineira preta-preta-preta tentava roubar. Roubar do destino dos desvalidados alguns minutos de desatenção sobre a desgraça de seu corpo. Roubar um pouco de sossego, de amplidão pros seio balançantas da vassoura enxarcada no chão, um pouco de descuido de um destino que se regozija com o sacrifício, em especial, daquele em que nada se pode tirar, nem acrescentar que a simples existência.

Porque era mulher. Preta. Feia. Descasada. Porque tivera dois abortos. Porque era pobre. Porque tinha o cabelo ruim. Porque não bastando tudo isto, os instintos básicos: a vida lhe negou todos os orgasmos, aqueles que nunca teve.

Para Guixo.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Dor

O que acontece quando forma em você uma dor com a qual você não consegue se comunicar? Como uma bolha, que fica por ali?
Uma dor que isolada, sozinha, e que nunca quer sair.

Pois bem, o que acontece. Neste momento, em que você não consegue comunicar a dor a si mesmo o mundo pode desabar, as paredes que venham a baixo, o solo que se abra, o sol que nem nasça, e a máxima reacao que você esboca é um "hum" sem pra lá nem pra cá

Depois, no momento em que te desaba a dor, neste precioso momento, é que se é capaz de compreender que todos sao de fato iguais, estando limitados aos seus sofrimentos. Que nao existe a loucura, que ela é nao mais do que o que nós somos. Que os atos de loucura acontecem em nós, acontecem o tempo todo, e apenas damos por eles, quando as condicoes foram de tal maneira propícias que a própria loucura extirpou a dor, extirpou as emocoes.

Que a figura do louco nao faz sentido. Que nao faz sentido falar "eu nao sabia que ele era assim, um monstro, um louco que fuzilou 70 pessoas à queima-roupa."

Essa imagem, distante, separada, extra-terrestre, irreconhecível, de um "ato de loucura" ela nao tem sentido.

Separar esta loucura do que o que somos, como se ela estivesse aquém (ou além) de nós é um grande erro.

Yo estaba bien por un tiempo
volviendo a sonreír
Luego anoche te vi
tu mano me tocó
y el saludo de tu voz
Y hablé muy bien
y tú sin saber
que he estado
llorando por tu amor
llorando por tu amor
Luego de tu adiós
sentí todo mi dolor
Sola y llorando, llorando, llorando
No es fácil de entender
que al verte otra vez
yo esté llorando

Yo que pensé que te olvidé
pero es verdad, es la verdad
que te quiero aun más
mucho más que ayer
Dime tú que puedo hacer
¿No me quieres ya?
Y siempre estaré
llorando por tu amor
llorando por tu amor
Tu amor se llevó
todo mi corazón
Y quedo llorando, llorando, llorando, llorando
por tu amor


quarta-feira, 20 de julho de 2011

Pensar

Um movimento silencioso, imperceptível.
Se existe, é apenas na imaginação.
Ou na agonia de se imaginar,
na agonia de ser
punção
barulho inesgotável
inconscência arbitrária
desejo.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Existir

A existência se faz.
Vai tecendo. Claudicante, manca.
Existir, imperativo.
Que está até que não esteja.
Todas as existências, juntas, que estão até que não estejam.
Um suspiro.

(Mas quase que só baseado numa frase de Saramago ao fim da vida, a tristeza de morrer: se está e depois não se está mais. E porque não citar Clarice: Eu vou ter tanta saudade de mim quando morrer).

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Sentença

Sentença é quando dá uma loucurinha
Loucurinha colorida tem remate em preto-e-branco
Na beira de uma quarta-feira arrastória uma histante
Junta na mesma linha o que foi e o que é.

Sentença é quando um trovão vai ditando serioso
Diz tanto e tanto que o pé faz um sapateado
Sai um nervoso pra amarranhar a massa
Ai que pra fechar tudo quero só meu pão-de-ló.

Preocupado

Há que se ter coração para viver neste mundo.
Coração para esperar.
Coração para continuar.
Coração para não sentir.

Há que se ter coração,
pra pesar o ponto exato da preocupação
Pesar nem mais nem menos uma grama
O que vale botar pensamento.

Nem sentir, nem não sentir
Nem odiar, nem não odiar
Nem amar, nem não amar,
seguir o rumo do que é possível, pois sim.

Porque às vezes sentir, amar, odiar
às vezes não sentir, não amar, não odiar,
levam unicamente à loucura.

Há que se ter um bom coração
um que decida soprar entre a leveza das coisas
que decida não se fixar na grandeza das coisas
e que decida não ficar na beleza das coisas.

Um coração bom que esteja ali
apenas isso, um que esteja imerso na piscina dos verbos
que esteja atento ao fluxo de si mesmo
que aja quando decidir, não quando se decida por ele.


Ressonância

Estava imaginando o que mais pode ser dito que me seja útil para ler depois. É isso. Pra mim escrever é um ato de utilidade: pra lembrar depois. E mais nada. Queria dizer tanta coisa. Muita coisa que só a mim importa porque sou eu e apenas eu que as sinto, eu e apenas eu que as experimento e com fundamento só na minha memória coisas ficam. São coisas só minhas, coisas indivisíveis. Pequenos fundamentos. Queria dizer o terceiro movimento do trio Arquiduque do Beethoven, que escuto agora, queria tanto dizer ele, muito, porque ele é tão lindo, tão profundo, tão ressoante.

É muito estranho isso. Saber que há um mundo inteiro em se escutar este movimento, que há coisas infinitas ali, infinitas coisas infinitas, coisas sobre as quais não consigo falar. Coisas. Saber que há tudo isso, que é um tudo isso pra dentro, um tudo isso que quando eu tento botar pra fora estrago. Perco. Eu perco, esta é a palavra, quando tento botar pra fora eu perco. Nem tão similar a "as palavras traem o que a gente sente" porque um pouco mais no fundo disto, quando eu admito que elas traem, significa que nunca expressam o que se quer expressar, e crio com isso uma regra. Eu, contudo estou um pouco a mercê de outra visão espalhada, a de que perco porque meu não entender vai assim: ao tentar dizer o trio de Beethoven, eu não consigo achar uma conexão entre o que eu disse e o trio, não consigo chegar a compreender se me traí ou era isso. Então, não tenho uma regra.

É muito estranho estranho haver tudo isso. Há e não há, por que há só pra mim. O que existe só pra mim existe de fato? Sempre achei que o que existe só pra mim é tudo o que pode ter importância em existir, mas não posso dizer que exista mesmo.

Tudo o que existe pra mim, existe só pra mim e é um Universo de infinitos. Infinita música, infinita beleza, infinita tristeza. Infinitos objetos, infinitas palavras, infinitas combinações, infinitas propriedades. Um Universo de infinitos que só passam sobre o meu pensamento.

Mas agora... agora vou dormir. Vou dormir, vou me abrir pra outros infinitos, outros infinitos que não estou aberto, outros que não aparecem com esta ordenação toda. Já imagina-se o quanto sou limitado, de só entender o que tem ordem, só sentir o que está em conssonância com estas regrinhas. O quanto estou limitado, por estas palavras, que sempre vem numa mesma liquidação de regras semânticas. Agrupadas ao longo de alguns anos. O mais importante é falar o que não está nas regras. Talvez isso pra ordem se perder, e outras palavras, já que se usa, como se dormindo, um pouquinho pode levar. Um grande catequismo entendimento e formados aí nem uma moeda. Mais ponto, mais pulsar, vida, é o sempre que se quer entender, entender, na ordem do pensamento que vem coisas, juntas de verbos sem importância grandes, grandiloquentes, prestando homenagem. chegou Ai um momento desenhar de baralhar, e tuado deixa grande porque não quero. Quero.

Acabou.


quarta-feira, 6 de abril de 2011

Dizer

"Nunca, jamais diga o que sente. Por mais que doa, por mais que te faça feliz. Quando sentir algo muito forte peça um drink."

Caio Fernando - Fragmentos

domingo, 3 de abril de 2011

Encomenda

Queria encomendar algumas pessoas novas para este mundo. Digamos, todas elas estaria bom. Pessoas novas que não queiram que eu não seja gay.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Caio Fernando



"Um band-aid no coração, um sorriso nos lábios - e tudo bem. Ou: que se há de fazer..."

quinta-feira, 24 de março de 2011

A Morte de Phèdre







Na morte de Phèdre, de Racine, cantada por Jessy Norman (ópera do Rameau), me dá uma saudade dolorida. Funda no peito. Saudade de Mannheim, dos quatro meses em solução de hidrólese que passei por lá... Dos quatro meses que eu voltava todo dia pra casa pensando: "mas essa gente não tem coração". "Onde se pode comprar um pra eles?". Destes quatro meses que eu tinha a nítida impressão de que todas (ou quase) as pessoas tinham acabado de passar do pré-3 pra primeira série.

Uma saudade derramada, enchendo vagarzinho potes, potes até o transbordo. Jessy Norman e a morte de Phèdre (e a Urlicht que 'segue') foi a única coisa belíssima que me aconteceu nestes meses... Se tivesse por descuido não-conhecido, teria sido inútil, seriam quatro meses de treva (exceto pelo também francês, prelúdio, fuga e variações do César Franck, que me encheu os olhos muitas vezes). Quatro meses tentanto entender pessoas que não precisavam ser entendidas. Quatro meses procurando alguém pra compartilhar minhas angústias, vulnerabilidades, inútil, pois como disse ninguém por lá tinha angústia ou vulnerabilidades eram todos super-homens nietzscheanos.

Se a Jessy Norman não tivesse cantado isso na França em 1983. Seriam quatro meses de saudade seca. Saudade sem saudade. Vazios.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Devagar,
o tempo transforma tudo em tempo.
O ódio transforma-se em tempo.
O amor transforma-se em tempo.
A dor transforma-se em tempo.
Os assuntos que julgamos mais
profundos, mais impossíveis,
mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.
Mas, por si só, o tempo não é nada,
a idade não é nada, a eternidade não existe.

José Luís Peixoto

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O que bate

Não queria deixar de sentir. Juro. Queria sentir tudo. Beber completamente. Tudo me apraz.
Não me apraz porque é gostoso. Tem muita coisa que dói de a gente sentir. Apraz porque existe.

E se tudo correr bem um dia vou parar de bater. Vou parar de ver, sentir e cheirar, e muito mais importante, vou parar de escutar. Parar de Beethoven, Chopin e Bach.

E quando parar de Verdi, de Puccini e de é porque eu cheguei no ponto que não tinha mais volta. Há um ponto assim pra tudo. Afinal, está aí o tempo correndo.

Mas... mesmo assim... eu não queria parar de sentir.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Zeitgeist?

Ohne Leben zu sterben wurde die Wirklichkeit, Abwesenheit. Die Zukunft geschiet wie ein Fabul. Sie wird da sein aber ist was anders. Ein Köder.

Gleichfalls ist die Vergangenheit bzw. was man darüber denkt. Was bleibt denn wenn man hinter oder vor der Moment sein könnte. Was wenn alles was geschiet ist, bekommt eine Erinnerung, ist was geredet, was erzählt, wenn die Zukunft nur in eine Wahrscheinlichkeit Summe löst, und die Vergangenheit nichts mehr als chemischer Stoff in unsere Bücher und Gehirn.

Denkt man dass, genau die Zukunft wird plötzlich da sein, und die Vergangenheit wie geschriebene geworden war. Das sind aber nur dumme Idee von eine faule Bewusstsein...

Falls irgendein nicht bemerkt hat, (und offensichtlich nicht), es gibt, natürlich, keine Zukunft aber diese die in jeder Moment wird (und nie, wie gehofft), und Vergangenheit ist eine summe von falschen Erinnerungen, falschen Vorfälle, falschen Geschichte die sich festlegen um uns sicherzustellen dass wir eine Existenz gehabt haben. Sie existieren nur wie geschwebte Eindrücken... Als ob eine Kleidung im Gehirn existierte, und unsere Gedächnis kleinen Punkte mit Datum da hängt. So ist, und merken wir die Zeit.

Die Zukunft ist so eine komische Idee. Wo ist sie oder wann.

So, was könnte die Wirklichkeit endlich sein? Wie merken wir die Zeit...
Nur gute Frage für das "Nichtgedanken".

O Passado

O passado é como elementos químicos. Ou tinta nos livros, ou moléculas no cérebro. Há outras manifestações do passado também, é o que se reclama. Há fitas de filmes, há a matéria orgânica dos museus, há as atas constituintes, há até fósseis. Em sua abrangência completa, não mais do que outros elementos químicos que.

Em todos os casos, infalivelmente, vão se decompor.

E quando se decompoem. O passado passa a ser não mais que.

A soma do interesse da civilização em refazer o que foi decomposto.

(não há mais passado, que o interesse pelo que parte dele foi).

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Pra hoje

Há pouco espaço e pouco tempo.
Há uma música.
Há uma ansiedade.

Existência

Eu existo.
Há um curto espaço de tempo que ainda podes admitir.

Eu existo.
Portanto.
Digas ainda logo.

Antes que tudo o que te sobre
seja apenas um "existi".
Que nem mais poderás dizer.

Antes que a morte te devora, soberba.
Antes que sussurre gulosa: "é agora... é já, chegou a minha vez".

Coisas Pequenas

Ninguém dá conta, mas há vários pequenos atos que eu queria uma marca na memória, porque eu acho que são de boas lembranças. Há no meu mundo uma teimosia crescente em não aceitar. Quando eu cresci não aceitar era necessidade de sobreviver, uma única forma. Há muita gente cuja desobediência civil, cujo não aceitar deveria ser um ato de sobreviver. Talvez na maioria de nós. Aceitamos muito mais, por preguiça.

Existiriam várias maneiras de não aceitar e a mais difícil delas era não aceitar em silêncio, porque exigia uma força interna: a força interna é "não posso fazer nada contra, ou não sei fazer nada contra, nem dizer, mas não posso aceitar, igualmente". E fazer também um esforço pra não trocar pelo conforto de se aceitar "conforto de uma paz falsa".

Oras, estes vários pequenos atos que são como heresias sociais. Heresia social, veja-se, ser mulher é uma heresia social. Não é bem o que disse a Simone de Bouvoir que "ninguém nasce mulher, mas se faz mulher", não é bem isso. É mais pelo lado do Caio Fernando Abreu "só queria ser feliz, gorda, burra e alienada e completamente feliz." Mais pelo lado de que quem nasceu mulher e vai ter que sofrer ser mulher ou não sofrer, vai ter que fazer o ser mulher, mesmo não sendo a mulher bouvoiriana. Aliás destituir o nascer mulher por um fazer mulher pra mim é pretensão desnecessária. Mas eventualmente paro apenas por uma questão vocabular.

Ser mulher é um destes pequenos atos. Ser feminista.

Eu estive pensando um pouco no feminismo e cheguei a uma idéia que pode se dizer desmedida (claro que pra mim ela não pareceu), de que o feminismo mesmo, este feminismo não existe, porque na média as feministas tem o mesmo preconceito contra os gays, que o resto da sociedade civil, o que, a meu ver demonstra que a idéia de feminismo não está clara, pra elas (uma vez que, ao associar a imagem do feminino ao homem, isto gera preconceito).
Não acho que se possa ter claro o que é feminino e o que é masculino, mas muito mais forte que isso, eu acho que NUNCA se vai poder definir com clareza isso. Disto me sobra que, afinal, cada um tenha o seu conceito de ser feminino e de ser masculino. E daí... dá no que dá e associamos os gays com "afeminados" sem nem saber se existe este certo substantivo.

E outros atos pequeno-revolucionários.

O ato ainda revolucionário de se ser gay. O ato revolucionário de se ser negro. De se ser mulher, de se ser nordestino, de se ser glbtt. De se ser criança. De se ser transexual.

O ato revolucionário de se ser tudo aquilo que a força pujante do mundo quer estraçalhar, aquilo que quer destroçar, quer ver em frangalhos. Quer, quer muito.

E não faz conta de tanto querer. Não faz, não faz, é uma força visceral, uma barbaridade, uma voracidade, um revolver-se.

Pois bem. todos estes pequenos atos são revolucionários, mesmo que não se queira. Que não se queira porque sim, há muita gente que faz o esforço reverso. Há gays que reforçam a homofobia, assim como há mulheres cujo machismo é capaz de deixar até nosso último fio de cabelo em pé.

Mas mesmo assim, a existência destes seres, estes que nem se pode comentar sobre eles, é um ato revolucionário. Uma pedra no sapato, uma pedra no sapato reversa.

Porque existir... existir incomoda.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Booleana

o deus verdadeiro
é falso
diante de outro deus
verdadeiro

se meu deus é único
e verdadeiro
e teu deus
verdadeiro e único

então teu deus
é falso e púnico

Carlos Machado

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Quantidade

Um poema por página
mais não há de se ter
pedaço preciso,
compacto e agudo.

Um apóstrofo por verso
matéria fechada
preposição,
fósforo.
Nenhuma rima.
Coração deserto,
um incêndio
reparado a ver-bandeids,

Cada ilusão, desilusão
eis tudo, a boa quantidade
costurada, acabada,
medida certa.

Para evitar fadiga,
receita prescrita
silêncio indispensável,
solidão.