terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Destinos

Então quando os (nor)destinos chegavam em São Paulo, chegavam e paravam e ficavam. Quando cada (nor)destino humano era alimentado com sonhos apertados num pau-de-arara, no caravançaraí cheio das lembranças, ou na locomotiva, sonhos apertados nas bagagens, se sonhos de uma vida melhor, se sonhos de um não sei o quê, se sonhos da saudade de casa, se sonhos de um "estou apenas para a viagem e nada mais". Aqueles cheios das esperanças de São Paulo. E a cidade grunhia satisfeita e gulosa, pronta a massacrar a massa de (nor)destinos.

Porque cada (nor)destino humano que chegava em São Paulo toda contra eles, cada desembarque com o olhar no longe, nos milhares de quilômetros, da lonjura de casa (casa, aquela coisa que não sabemos o que é, e que se pode dizer que não existe), levava ali, naquele momento, naquele precioso instante todos os cidadãos do mundo, em sua mala. Os cidadãos do mundo botando o pé na rua manhã-cedo todos os dias pro feitio do existir... Levava ali, naquele precioso instante.


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Amar

é como ter um pássaro pousado no dedo. Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele pode voar.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Espaço para a tristeza e para o luto

Espaço para a tristeza e para o luto, drama.

Estamos todos irremediavelmente sozinhos. Nascemos sozinhos, morremos sozinhos. Não há fato nesta existência que se possa dizer aconteceu por isto. Acontece. Eist tudo. Estamos todos irremediavelmente perdidos. Perdidos num mar de silêncio. De incomunicabilidade. O essencial é incomunicável.

Espaço para tristeza e para o luto, o amor.

O amor acontece como um casulo, sempre na forma casulo. Está sempre casulando. Não sai da forma inicial. Não há se quer reconhecimento possível para amor que se queira sair da fase original de si mesmo.

Espaço para a tristeza e o luto, a vida a negativa.

A vida acontece como um erro de tudo. Acontece como o erro das probabilidades deste mundo. A vida, que, o que começou, porque começou. Ou como. A vida é um descuido. Um borrãozinho.

Espaço para a tristeza e o luto, a vida a positiva.

E acontece irreparável, com força avassaladora. Acontece com ou sens permissões. Com ou sens caracterizações. Com ou sens choques, com ou sens

Espaço para a tristeza e o luto, o silêncio.

No silêncio todos os espaços se encontram. Se encontram portanto misturando uns cons outros perdendo-se. Perdem-se em silêncio.

Espaço para a tristeza e o luto, a coragem.

A vulnerabilidade é o que nos conecta uns aos outros. Sermos todos vulneráveis e suscetíveis, sermos esta vida, esta aparência física, tão remota, sermos esta fragilidade absoluta, esta que a morte toda hora se oferece é o que nos conecta.
Coragem é nunca querer se separar disto.
Separar-se disto é estar novamente vulnerável e portanto retornar ao espaço da vulnerabilidade.

domingo, 28 de outubro de 2012

Solidão

Escrever sobre a própria solidão como o leit motif da vida enquanto escuta, sozinho, depois de um final de semana extenuadamente sozinho, os Intermezzi de Brahms. Talvez seja esta uma prova cabal de que a solidão é a pedra chave de nossa vida. Talvez não só da minha.

Sentir-se só. Absoluta e completamente só em todas as suas mínimas características e reminiscências de memórias... em toda a sua subjetividade perceber que não encontra par no mundo pra se compartilhar. Que o compartilhamento de si é uma descontinuidade ab-rupta. Ininterrupta. Em tudo aquilo que importa, em todo o micro-universo de sua consciência, sentir-se isolado e incomunicável. Há ali afinal uma prisão maior do que outras quaisquer prisões: a de ser livre, mas não se poder comunicar. Não simplesmente existencial, não de simplesmente haver liberdade (sem saber se o há), e portanto angústia. A solidão maior que não seja a existência de si, mas a incomunicabilidade. O mundo interior, fechado pra si. A linguagem externa sempre tateando. Tateando emoções, sensações. Nos ludibriando com um conceito inventado, a verdade. A verdade, o conceito inventado pra nos dar segurança. Não há nestas nossas pequenas memórias nada mais falso que o próprio conceito da verdade. Porque parece colocado a mão neste fluxo ininterrupto pra descortiná-lo com a forma final, a verdade. Mas há, de fato, apenas sensações, emoções, análises, pensamentos livres, ideias e ideais se atacando, sobrepondo e dialogando. Não além disto algo que esteja por cima, uma verdade...

Há apenas estas pequenas memórias que estão aqui se derrubando. Este fluxo que não se controla direito. Este fluxo é a versão consonante da solidão.

domingo, 16 de setembro de 2012

Saudade

Já não se viam há tanto tempo,
e há tanto tempo que falavam só pela internet
que a saudade virou saudadwirless.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Definição

Nós... só nos definimos enquanto sujeitos, como o que somos pelo que os outros são. Nos definimos por contraste. A verdade é que sem os outros não somos nada. Sem nosso em torno não somos nem mera imaginação.

Um som baixinho

Ouve, ouve, ouve, ouve a loucura sussurrando baixinho, sussurrando baixinho no ouvido...  rompante. De existir, da loucura, como a existência inteira. Dizia baixinho-baixinho-baixinho no meu ouvido, abraça, abraça, abraça, abraça o me. Abraça o me e não tenhas medo, medo de te perder. Te perdes. Se dormes, dorme enquanto. Dorme e quando acordas não serás mais tu. Abraça o me, abraça.

Agora não sussurra mais, grita (ainda baixinho, porque sempre é baixinha a loucura). Grita e grita e grita e grita abraça o me, abraça, abraça, abraça, abraça. O me. Tanto faz que vai desaparecendo no horizonte ficando en ambience.

Caio Fernando esteve aqui

vestido de Calaf.
Temos grandes esperanças para nossas vidas. Fresquinhas direto do forno toda manhã. Caio Fernando esteve aqui, espírito já velhinho, trazia um discurso cruzado com a interferência da Turandot, dizendo mais ou menos assim:

"Nella cupa notte
vola un fantasma iridescente.
Sale e spiega l'ale
sulla nera infinita umanità.

Tutto il mondo l'invoca
e tutto il mondo l'implora
Ma il fantasma sparisce con l'aurora
Per rinascere nel cuore.

Ed ogni notte nasce
Ed ogni giorno muore."

Chi è straniero?

Caio Fernando olha pra Calaf e prenota negativamente: Não tenha esperança meu caro! Não há sangue ou Turandot neste mundo que valha o mistério de te atirares sem vida no pescoço de outrem.

(Escrito diretamente das cartas fúnebres de Caio Fernando em resposta a suas cartas otimistas de amor romântico "vai acontecer, meu caro, vai acontecer, eu sinto que acontecerá").

Não aconteceu.

Beleza

Há uma beleza natural de acontecimento dos eventos. Beleza natural é os eventos acontecendo. O amor entre os desescolhidos-de-beleza-social, o gozo todinho deles é  beleza natural: acontecimento das coisas, sucessão. Ali estão todos os cidadãos. Todos. Não se escapa nenhum. Deste gozo comum é onde a beleza emerge, e emerge de todos os gozos, por serem em si comuns. A beleza natural do acontecimento deve ser quase uma vertente termodinâmica. Um fluxo entrópico.

Há uma beleza plástica... uma beleza vendida nas embalagens da margarina feliz. Uma beleza: loira alta magra. Uma beleza robusto, peitoral, forte, pernas torneadas, bronze, cabelos lisos, caídos. Uma beleza simetria de rosto toda definida. Com barba, sem barba. Uma beleza na contra-corrente de fluxos e aforismas. Uma beleza temerosa, uma beleza que só se concretiza como auto de fé. Uma beleza cuja realização é em concretude a negação da vida.

Há outras belezas plásticas. Também na capa das margarinas felizes. Contrárias àquelas, mas ainda assim plásticas.

Há várias belezas plásticas. As belezas plásticas existem apenas como imaginários.

E há aquelas belezas reais. Do cotidiano. Cheias de vincos. Com marcas. Não envoltas em polietileno. Aquelas belezas sujeitas ao apodrecimento. Que levam menos de centenas de anos pra se desfazerem. Que se reciclam. Aquelas que o imaginário alcança de outra maneira.

Há duas belezas em constante luta. Uma tentando tomar o espaço de outra.

Escrita

A escrita é sagrada. Está pouquinho aquém do nascimento do mundo, do Universo. Portanto fica. Mesmo com a morte de Brünnhilde, o Walhalla se consumindo em fogo e as águas do Reno submergindo o mundo, a escrita perdura.

É, digamos, a coisa mais dura de se combater. Entre as transitoriedades, a mais intransitória.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O ovo e a galinha.

A galinha põe o ovo. O ovo sai pro mundo. O pintinho perde seu mundo, o interior da galinha. Herda o lado de fora. O lado de fora é uma espécie de nada. Vazio. O ovo herda o vazio. Chamam isso de vida. Mas ainda não é isso. A galinha pôs o ovo e está ali sentada a chocá-lo. No vazio do Universo o ovo se encontra sozinho. Sozinho e aquecido. A galinha o aquece, com suas penugens, cheias de vida. Cheias de calor. Um segundo momento, do vazio ao calor. O pintinho dentro. Do ovo e do calor da galinha. O ovo aquecido, seu Universo. O pintinho finalmente choca. Um choque, o Universo se quebra em dois! (De fora a platéia ovaciona o "milagre da vida"). Se parte completamente. Um novo big-bang! O pintinho herda o vazio de novo. Num terceiro momento. O milagre da vida é herdar o vazio pela terceira vez.

A imagem do pintinho é o herdar de vazio. O milagre da vida se faz toda vez que o vazio é herdado. Há na vida, um final. (Não diga obviedades, reclama o revisor). Um fim que é a quebra do vazio que se herda. Quando não há mais nenhum vazio a ser herdado. É porque ela se transformou no próprio vazio e será herdada. Her-dada (à Terra?). (Há a Terra? Nesta crueza até aqui... nem-nada se criou... o que seria a Terra?). Completo ciclo de heranças e riquezas. Heranças e riquezas, dentro do vazio. A vida vai portanto se esvaziando.

Daqui até ali, só o que se espera é a morte. O pintinho não sabe disso, porque não chegará a pensar "estou vivo". (Não diga novas obviedades, me adverte desta vez o revisor). Mas a morte espreita enérgica a cada esquina de tempo. Sabe o momento exato de atacar. Ou nem se quer que isto saiba, apenas está por ali esperando um momentito descuidado. Que sabemos nós afinal sobre a distinta senhora? (nós? e há aqui algum "nós" introduzido a priori?...).

Calha que este pintinho chega a virar uma galinha. No meio do caminho entre uma coisa e outra há o processo de esquecimento do vazio. (E já aqui outra transgressão: onde é que se definiu o que é o esquecimento das cousas?). Vai da memória do pintinho vazando a lembrança do vazio. É uma que se poderia dizer que todos conhecem. Até então a morte espreitosa. Dona de formas e vestimentos escorregadios. De um só golpe na foice, e recupera a galinha, o pintinho, o ovo o vazio: recupera por quebrá-lo. Por se unir a ele.

Não somos nós mas a morte mesmo chega a dizer com um riso discreto: começou a vida começa quando se herda o vazio. Termina no momento exato em que ele se quebra... termina pois por se transformar no vazio que de início herdou.

Conto da Carrochinha 1

Era isso. Depois do começo intenso de namoro, depois da virada cultural juntos no show da Maria Rita, Dafne e Ricardo acabaram por descobrir que não tinham mais nada em comum. Nem todas aquelas pequenas coisas do início do namoro colocadas ali no chão entre os dois fariam sentido como o lugar  - comum pra ambos: nenhum dos dois estava ainda ali. Eram muito bons os discos do Roberto Carlos, ótimas as músicas da velha guarda, a Roberta Miranda, o Iê iê iê, que delícia os filmes do Tarantino ainda em VHS, e Nancy Sinatra cantando "My Baby Shot me Down". Tudo bom e memória longínqua. Nenhum dos dois estava mais ali. Nenhum deles ia se tornando aquilo. Era mais o que tinham se tornado. Que tinham se tornado, que não podia pra ser reescrito. Fechado pra reacontecer.

Sobrou: fazer uma paixão daquilo que se tinha passado e não do que poderia vir a ser. Sobrou o que não havia mais lá. Sobrou continuar até um fim - que veio breve.

Com o fim, à Dafne restou vender o abajour-luminária em formato de Anjo que Ricardo deu de presente, esmero de sua avó. Ricardo bebeu todas as garrafas de whisky que pode da marca blacklabel, igual àquela que ganhara no dia de 6 meses de namoro (e lá isso é data pra se comemorar? ia pensando enquanto se embebedava).

Depois do fim, exorcizaram todos os demônios, beberam toda a volúpia de um no outro pra que não ficasse nenhuma memória cruzada, nenhuma lembrança desautorizada, nenhuma sobra que não te quero lá.

Queriam extinguir o fato, extinguir a razão de um no outro e o existir desencontrado que fizeram juntos nestes poucos meses. Se tivessem máquina de apagar memória, usariam. Na falta, jogavam todos os demônios que tinham pra cima destas últimas lembranças. Fumar todos os cigarros. Beber todos os whiskies. Vender todas as coisas. Se desfazer. A ordem era imperativa: não deixar permanecer em si, sombra do outro.

Era como a morte ao contrário. Quando se morre, se morre e pronto - lembrou Dafne o trecho de memória, Olímpico de Jesus dizendo a Macabea, mas que bobagem este negócio de sentir falta de si quando morrer... Uma morte ao contrário: que se quer morrer e que não morre.

E vendiam sobretudo o maior dos medos. De que aquilo tudo, as sensações, os cheiros, as corporificações inconscientes, os lutos, as gargalhadas e orgasmos ficasse preso num corpo psíquico, um que nunca se pudesse vender.

Porque no final das contas, no lugar comum de si mesmos... não cabiam entre eles de tanta paixão frêmita sobre outro... de tanto ardor adolescente, e tanto desejo pelo orgânico do outro. Só a conclusão de que não tinham dali por diante absolutamente nada em comum em suas vidas, e de que faltaram horas-dias-semanas de inconsciente, não foi suficiente pra dispersar o encontro do quentinho de um no outro. E ninguém dos dois queria.

Queriam mesmo era vender esse quentinho. Se vingar dele.
O quentinho na verdade é que se vingava dos dois. Estando sempre por ali, ria e ria e tornava a se rir com gosto de tudo.

domingo, 8 de julho de 2012

Hello

Suddenly I know I'm not sleeping
Hello, I'm still here
All that's left of yesterday.

I'm still here.
Still here.
Here.

"Tu? Tu? Tu? Tu? Tu?
Piccolo iddio! Amore, amore mio.
Fior di giglio e di rosa.
Non saperlo mai per te,
per tuoi puri occhi
muor butterfly..."

domingo, 17 de junho de 2012

Os Dragões não conhecem o Paraíso

Depois de ler um conto de Caio Fernando Abreu, este. Que metáfora linda...

Somos seres "modernos!": pós-feminismo, pós-revolução sexual, pós-direito à individualidade, pós-kafkianos (pós: no sentido de depois de descobrirmos o "nos notarmos baratinhas na sociedade, nos tornarmos uma caixinha, uma unidade, um número, um formato, um disquete", somos pós este conceito. Em uma sociedade cheia de leis, cheia de seguridades que não nos servem. A partir disto a realidade fica cheio de um realismo fantástico).

As mulheres, o direito ao cabresto: podem ser elas mesmas, têm direito a uma alma. Não são mais responsáveis pelos filhos, na medida em que todos os sejam, não são mais responsáveis se quer por um feto. A que custas isto foi gerado. A muitas custas. Lá vão algumas dezenas de milhares de anos desde a pré-história.

Uma individualidade totalmente nova.

Sobrou uma realidade fragmentada: sozinha, branca. Uma realidade apenas: relacionar-se virou um infinito, infinito de insegurança, medo, coisas boas. Um eterno encontro-desencontro.

O conto de Caio Fernando Abreu descortina. Desconcerta. Abre. Rasga. O amor, este amor romântico, este dos poetas byronianos, doentes pelo amor, amor de morte no romantismo, o amor pelo qual se vive, qual o amor conjugal acontece como conviver com o Dragão. Como é que se convive com o Dragão.

A imagem: viver com dragão pra relacionar-se é...

É.

O imaginário de Caio Fernando Abreu se desprende completamente no conto. Pareço perceber que ele seja auto-biográfico, que na pormenorização de detalhes estão as situações, o dia-a-dia, apenas ali uma roupagem diferente. Novas palavras, invenções pra deixar a coisa com um caráter onírico... Para parecer que tudo acontece nublado, na névoa de um sonho: que grande truque! É lindo...
Não auto-biográfico de fatos. De imaginário e fato: ambos se misturando tecendo a imagem onírica do conto.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Tagesbuch 1

É estranho. A Europa me traz lembranças e me dá sensações estranhas. Havia tanta coisa bela para se ver, tanta coisa interessante... Museus, paisagens, castelos, casas, hotéis, igrejas, paragens, teatros, salas de concerto, pontes, construções, ...

Ao mesmo tempo, aquilo era tão distante do que o que eu era...

Eu não era nada, de fato. Mas muito menos aquilo...
Era muito estranho ver tanta beleza, viajar e ver tanta coisa linda e diversa, tanta gente diferente, mas estar ao mesmo tempo absolutamente sozinho e sem par nestas viagens. Não ter enfim, ninguém para compartilhar estas viagens que se faz absolutamente sozinho.

Trata-se em parte de uma tortura.

Fiquei pensando que nós... só nos definimos enquanto sujeitos, como o que somos pelo que os outros são. Nos definimos por contraste. A verdade é que sem os outros não somos nada. Sem nosso em torno não somos nem mera imaginação.

Aí é que está a essência do meu período europeu: me definir por contraste através daquilo que eu passava: nada naquilo era o que me significava... Estava plenamente sozinho.

Estar plenamente sozinho é bom. E também ruim. É ruim. Desesperador. Nunca ter par. Ou ter pares sempre parciais... sempre de insatisfação. Ao mesmo tempo, apenas sozinho, na sensação de se estar completamente sozinho se pode descobrir qualquer pequena compreensão sobre o mundo.

Fiquei já horas pensando em como poderia ter passado um período melhor. Um período legal, diferente, com amigos, com uma sociabilidade mínima. Depois pensei em todo o resto, em como eu me vejo em meu eu-por-dentro, em minhas angústias, e acabo concluindo que não poderia ser muito diferente daquilo que foi... por vários impedimentos. Um dos grandes é o fato de os alemães serem bem mais fechados que os brasileiros. Muito mais reservados. Não no geral, não os 80 milhões de alemães e os 200 milhões de brasileiros. Os que estavam no meu em torno. Outra grande dificuldade é a língua, que pra mim acontecia como um rascunho... tudo que sei de alemão, pra expressar tudo que gostaria de expressar, é um rascunho apenas. E outras dificuldades como não conhecer ninguém de início. Como ser gay e estar entre brasileiros, árabes alguns alemães, alguns outros homofóbicos, de início. Por estar sozinho então em Tübingen... Como estar muito acima do peso, estar gordo demais...

Teve uma parte interessante, depois pensei. A pesquisa. Não engrenou como deveria, mas foi interessante, aprendi sim métodos novos e coisas legais, coisas que me podem ajudar eventualmente num futuro.

Então voltei pra casa, voltei pro Brasil, para acabar o doutorado. O fim do namoro, e o final do doutorado (que não acabava), me fizeram sentir perdido dentro de mim. Estava lá. Jazia... Não sabia o que querer pra mim. Tenho clara uma sensação na cabeça. Fui fazer concurso no Crato. Voltei. Lembro de ao chegar de volta no apto, a 1 da manhã depois de um dia todo de viagem pensar qualquer coisa como "me deixem praticar meu desencarne A-GO-RA!" (Era uma sensação em que não sabia qual destas era mais: se o cansaço da viagem, se o concurso que não dera certo, se o continuar perdido na vida).

Daí conheci Guixo e uma nova luz veio se acendendo. A conexão que eu tinha perdido todos estes anos, que eu procurava, finalmente tinha encontrado... Ou parecia que tinha. Depois de alguns meses, voltei a ficar sozinho, para terminar o doutorado que nunca terminava. Guixo em Berlim no doutorado sanduíche...

Depois teve um segundo período europeu... já vai quase há um ano este. Tão diferente e igualmente tão difícil. Aquela que era pra ser a grande viagem, de alegria e felicidade e que no final, acabou sendo um motivo enorme de tortura, uma dor que me persegue até hoje, e que nunca me deixa em paz.

Concluí. Finalmente cheguei a concluir que de fato estava jogando meu refúgio, minhas esperanças de vida segura, minha identificação, tudo isso estava colocado no lugar errado. Não propriamente colocado no lugar errado... Estava "depositando apenas" (em algum lugar) como se fosse meu refúgio, minha fonte de vida, minha razão, meu bem mais precioso, aquilo que me daria toda estabilidade. E o fato é que nada disso existe nem nunca existirá. Não existe refúgio. Nem vida segura ou identificação.

Esta é uma grande conclusão. Que demorou a me chegar. Gosto de chegar a conclusões de maneira orgânica... só na pele é que se conclui alguma coisa. E as visões do mundo que tenho construído que se vão sobrepondo, estas, as mais duradouras, são as que vincam mais fundo na pele.

Tive até uma pequena epifania sobre o poema do Rilke, "Der Tod des Dichters", que começa com
"Er lag." Pensei exatamente: é isso! Er lag!
Morto ou não, não existe nenhuma segurança. Ter segurança é uma ilusão. Então "Er lag" pode significar o "eis tudo": jazer... uma intransitividade infinita. Um não estar conectado. Resolvi que escreveria finalmente um conto sobre isto dos 11 que penso sobre a Sinfonia 14. Vamos ver se meu por dentro me ajuda.

Ps. Aparte a tudo isso, eu NUNCA, nunca me esquecerei das (infelizmente poucas) montagens de ópera que vi no Sttutgart Staatstheater...
Quero NUNCA me esquecer daquela Aída com Chariklia Mavriopoulo no papel de Amnéris que me faz ainda chorar de emoção muitas vezes que eu lembro...
Nunca me esquecer de Maria Siri no papel de Leonora do Trovatore e aquele miserere, que estou todo arrepiado.
E aquela Liú, mais doce do mundo do Signore Ascolta, do Tu che di gel sei cinta... Nunca, absolutamente enquanto tiver qualquer sanidade, me recuso a esquecer...(ai... exatamente no dia em que fiz 28 anos...).

E aí está a ironia final: estava e estou ABSOLUTAMENTE sozinho nos momentos mais belos. Além de nunca os esquecer, nunca os poderei compartilhar...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Sentimento do Mundo

O sentimento do mundo nas palavras se vai multiplicando.

Cesaireana


Vai! Mundo hétero terrivelmente lasso,
querer fazer todo mundo igual
a sua triste imagem opressiva
degradante, humilhante e decadente.

Homem branco hétero.
Mulher branca hétero.
Homem preto hétero.
Mulher preta hétero.
Gay hétero.
Lésbica hétero
Bicha hétero.
Sapa hétero.
Transsexual hétero.
Travesti hétero.
Indefinido hétero
Não-qualificado hétero.
Toda heterossexualidade num branco inexaurível. Incolor-insípido-exangue.
Insosso e fraco.

Um voyeurismo hétero do começo ao fim.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A Marcha das Vadias

As mulheres gritando em alto e bom som que "o nosso corpo é nosso" e não do estado...

O direito a "ser uma vadia", uma vadia em todos os bons sentidos desta palavra... Porque na verdade, NÃO HÁ NENHUM mal sentido pra ela, a não ser nas mentes machistas de alguns (muitos). Vadia em sentido pejorativo, em sentido de xingamento, só pode vir de uma mente perturbada, uma que mereça o sanatório...

Oras pois... ser uma vadia, afinal, é poder explorar todas as potencialidades sexuais E sensuais do corpo. Estas potencialidades que já existem, e que o estado machista toma pra si, botando o cabresto no corpo feminino, "isto me pertence".

Não fosse apenas isto, há todo o escárnio de se inverter o que era usado para xingamento (pela "moral e bons costumes"), vadia, usando-o pra violentar uma moralidade falida, violentando com a sensualidade, violentando com o próprio corpo!

Eu? Rio de muita felicidade com a conversão do machismo histórico em escárnio e sensualidade!
Um viva à marcha das vadias em todas as cidades do mundo!
Viva!

Vegetariano

Ser vegetariano pra quê?

Pra quê ser vegetariano, afinal? Para ouvir piadas infames em refeitórios, cantinas, restaurantes, piadas de amigos sobre o "sofrimento da alface"? Pra que os mesmos os contadores se refestelem num covil sanguinolento que alcança seus pratos, enquanto acham "ridícula essa tendência vegetariana"? Pra que contem vantagens de refinamento gastronômico sobre os mesmos bichos que chegam ao prato com sangue escorrendo?

Pra quê se importar com seres, se o fato de se importar gera só mais incômodo, mais estranhamento, gera comentários como "opção sua" (respeitar a vida alheia virou mera "opção minha" neste discurso)...

Porque demonstrar um mínimo de respeito pela vida animal em um lugar em que se riem deste tipo de vida, como simplesmente: aqueles que não têm direito (nenhum), e que podem ser meramente usados.
Aqueles a que se inventam instituições pra certificar uma morte ética? Aqueles a quem "meu Deus do céu, o abate precisa rigorosamente inspecionado dentro dos códigos morais e éticos"! Precisa ser um abate institucional!

Morte ética?

Ser vegetariano pra quê, afinal?

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Na madrugada


fechar os olhos e ali está o infinito. Infinito tudo. Infinita música, infinita beleza, infinita tristeza. Infinitas palavras, infinitos pensamentos, infinitas inquietudes.

Estranho haver tudo aquilo. Um tudo tão tudo, tudo pesado. Pesadíssimo. Há e não há, por haver só pra mim. O que há só pra mim existe de fato?

Uma dispersão. Um colapso. Outra dispersão, outro colapso.

Possibilidade é o indefinido: infinito não-contável. Infinito real: continuum, não correlacionável.
Escolha é colapso: O Universo e tudo que existe nele.

Possibilidade é não existir. Colapso existir.

Desespero

no blog. Registrado em 1 de junho. Desespero sólido.

Uma questão semântica

é ir ou vir. Vir ou ir sem referencial é no indefinido (de lá se diz venha, de cá "se digo" vou). No indefinido que se contornam grandes dilemas. Falta lá fluxo. Falta lá colapso. Falta lá o tempo.

Tempo: ir e vir. Tempo agrega. Pesa. Ir e vir.
Ir e vir reto. Indefinido curvo.
Ir e vir verbo ser. Indefinido verbo espalhar.

Tempo de ir e vir: 5 segundos. Tempo do indefinido: indefinido.
Espaço pra ir e vir: mundo, Universo e todas as coisas. Espaço do indefinido: o infinito não contável.

Confiança

Confiança é um conceito abstrato. Um conceito de compreensão, mais complexo que a compreensão do outro mundo (sim, porque é muito verdade que devemos deixar o outro mundo em paz, porque o mistério está neste, disse o Quintana).

Confiança é quando se deposita alguma esperança em alguém a fundo perdido. Em geral é uma alternativa de desespero: só se usa de confiança quando não há mais nenhum recurso disponível.

Então a vida requer que confiemos. Porque os recursos próprios que dispomos, para controlar as circunstâncias que nos rodeiam são absolutamente escassos. Na verdade, temos uma ilusão barata de controle de circunstâncias de nossa vida, mas é bem barata este ilusão, de fato não controlamos nada. Ou quase nada. Então, para todo o resto há uma confiança. Uma confiança cega, se pode dizer.

Confiança é o papel que se paga pela existência. Existir demanda confiar.

Menor

Gosto de chuva, quero.
Gosto violeta na boca, quero.
Gosto de marca no rosto, quero.
Gosto vermelho rasgando, quero.

Horizonte amarelo ondulante, quero.
Não querer fechar os olhos, quero.
Frio trincante, estilhaçador, quero.
Novo de nada e começo, quero.

Militância e Luta


Militância não porque o mundo seja um lugar bonito. Não pra torná-lo um lugar melhor. Militância a fundo perdido.

Militância porque não saber como é o mundo daqui pra frente. Só como ele não tem que ser.
Não porque ele não vá se tornar isso. O mundo vai se tornar, aquilo que se luta contra. O que se luta contra e irá se tornar: o que se luta contra.

Militar que não se afiliar a um movimento voltado pra esta ou aquela causas. Militar que seja se manter atento.

O mundo é horrível. As pessoas são horríveis. Nós. Não tenho nenhuma esperança de que o mundo se torne um lugar melhor. Militância e luta porque é a única coisa que sei fazer...

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Ausência

Que grande ausência de 6 meses.
Acho que não tenho mais nada pra escrever.
Seco por dentro, deve é ser.

Ou é muito trabalho pra fazer nos últimos tempos. É sério esse negócio de muito trabalho. Nunca se descança. Claro que, temos que trabalhar o tempo todo. Se der pra trabalhar 80 horas na semana, melhor. Nos podemos definir enquanto justiça por quanto trabalhamos. Quanto mais se trabalha, mais justo se é. E nem se trata de qualificar um workaholicismo, mas é fato que vivemos um ápice calvinista: tudo é justificado pelo trabalho e pela ganância de trabalhar mais. Se você não se adapta: babaus, é um sujeito mau.