segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Céu.

Se para ir para o céu eu tenho que negar que sou gay, e admitir que nasci amaldiçoado que sou o único entre os seres que não fui feito pro sexo, que tudo em mim de natureza sexual é safadeza, que o meu instinto e possibilidade de amor, são unicamente a malevolência, se para ir para este céu, tudo isto, a pergunta que coloco pra mim, é porque as pessoas querem ir pra este céu.
Que céu é este. Este céu, seja bom ou seja ruim, de Jesus, Deus, Buda ou Zoroastro, neste céu é definitivo que não há espaço pra mim. Se as pessoas se sentem bem em achar que este céu que premia só os seus "iguais", por medo, preconceito, modismo, por quererem se colocar acima de mim (eu pobre e pária entre os escolhidos), ou por outra razão que se queira, não importa aqui o nome da coisa, mas a coisa em si, se elas simplesmente acham que eu sou merecedor do sofrimento porque nasci errado (ou me tornei errado), porque afinal estas pessoas vivem? Querem por certo concretizar a superioridade de sua raça, arianíssima. Querem concretizar a superioridade de seus 50 cromossomos sobre meus pobres e errantes 46.

Neste e em outros mundos não há lugar pra nós. Pra mim e pros outros milhares, milhões, bilhões de gays (sim, é certo que somos bilhões).

Amor ou, resposta a Camões.

"Amor é fogo que arde sem se ver,
e ferida que dói e não se sente,
e um contentamento descontente,
dor que desatina sem doer.”

"Ah, Camões! Se vivesses hoje em dia,
Tomavas uns antipiréticos,
E Prozac pra a depressão.
Compravas um computador,
Consultavas a internet
E descobririas que
Essas dores que sentias
Esses calores que te abrasavam,
Essas mudanças de humor repentinas,
Esses desatinos sem nexo
Nao eram feridas de amor,
Mas somente falta de sexo.”

Autor desconhecido (por mim).

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sobre a Realidade

Desde o começo, quando a consciência das coisas começou a se estabelecer pra mim, e os fatos começaram a se dividir em consciente e inconsciente, senti que tinha poucas opções. Eu podia tentar entender as coisas, a vida e o Universo com as cantoras de ópera, com as heroínas de Turandot, de Aída, Tristão & Isolda. Podia tentar entender como um reflexo da obra de Clarice, de Saramago, de Caio Fernando Abreu. Não é um reflexo linear com regras e postulados bem-estabelecidos. É uma interpretação, diferentemente, e que nem sempre se pode colocar no âmbito racional. Afinal, uma sinfonia de Beethoven é uma sinfonia de Beethoven, e não um conjunto de notas feitas dentro de um contexto, com explicações e análises harmônicas. Estas análises póstumas não podem explicar o que significa escutar a sétima sinfonia, ou a terceira, não podem dizer porque é que fico completamente arrepiado, porque me sinto como os metais encerrando "lindo" o primeiro movimento, ou as cordas logo após, no começo do segundo, com o tema absurdamente lindo e triste (absurdamente lindo quer dizer que não pode ser colocado em palavras). Como eu disse o reflexo da obra de Clarice, de Caio, de Saramago. Ou de Beethoven, Mozart, Chopin. De Brahms, Rachmaninoff, Ravel, Verdi, Puccini, Villa-Lobos.
É uma maneira e pra mim a única de interpretar a vida. Esta seria a primeira opção e a que tomei.

Outra opção seria negar minha realidade, tudo que acontece comigo, negar meus sentimentos, minhas desgraças, minhas felicidades, negar tudo, fingir que isso não faz parte de mim, e seguir completamente na hipocrisia. Esta também é uma interpretação possível. Negar Salvador-Dalí.

Fora disto, a outra possibilidade seria a de morrer. Sempre é possível morrer (mais cedo?, morrer mais cedo, faz sentido?), como forma de silenciar o seu não entendimento pela sua vida (o exagero de pronomes possessivos se justifica). Não é uma questão profunda nem megalômana, como qual o sentido da vida, é íntimo e pessoal, qual o sentido da minha vida. A morte é o silêncio pra esta pergunta, afinal. (Qual o sentido da minha vida? morreu.)

Mas "o sentido da minha vida" como posto, se torna uma armadilha. Por várias razões... Se perguntamos por um sentido racional, caímos da esfera onde se poderia explicar alguma coisa (arte) pra esfera onde não se pode explicar nada (quase nada) acerca disso (ciência). Entretanto, sem o sentido racional, a pergunta se armadilha: ficamos novamente com uma interpretação e não com uma resposta.
E o sentido racional cai numa espécie de incompletude de Gödel. Pois, se o sentido da vida que "me pertence" (ma non troppo) é o que eu soubesse ser, eu perguntaria indubitável, mas é isso?

Bom, não posso buscar um sentido. Não pra mim. Eu desconfio que isso seja verdade pra todo mundo, mas não creio que se chegue ao cerne desta questão.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Johann und Marie

Johann
war immer Johann
Marie
war immer Marie
Einmal kam die Liebe an
Johann wurde
Johann und Marie
Marie wurde
Marie und Johann
Und Heute
wissen sie nicht
was mit dem 'und'.

(bei Bruno Franzon).

Oh, Wirklich?

Lebenden, umbringenden, umgebrachten Dingen braucht man um die Wirklichkeit festzustellen.
Sehr fest kann es aber nicht klappen.
Dann wird Gegenwart gemacht: die Zeit zwischen Vergangenheit (die nur mit Erinnerung und Geschriebene vorgestellt sein kann) und Zukunft (die wirklich nie existieren wird: Zukunft wie ein Spracheproblem wird immer werden sein).
Wie bemerkt, Gegenwart die deftig, gegenwärtig, und stabil sein musste, ist nicht mehr als eine Grenze zwischen das nicht existierende und das Gedächnis.
So geschiet es: sie trägt die Irrealität (oder die Leichtigkeit von Fakten) als Realität.
Gibt es irreführender Eigentum?

Sonho

Nesta noite teve um sonho. Sonhou ver no longe, umas colinas, a palavra afeminado brilhando, mas escrita com grafia errada, "ademinado"... na última letra tinha uma lança que empalava, e parecia dançar, se rindo, com o vento. Depois, no meio do sonho, aparecia uma música meio funesta, uma música meio em dó menor, e quase micro-tonal, que ia subindo, dó, ré meio baixo, mi bemol, fá e já aqui juntava uma sétima justa no fá sustenido, e parecia então que lhe tinham furado o abdomen, chegando no estômago, mas logo passava, chegava o sol, como se pedisse: POR FAVOR...

Parecia um Golem dando passos pesarosos indo em direção a cidade, em direção a cidade pra matar todo mundo, mas no meio do caminho o Golem desata a chorar.
Depois da choradeira, o Golem continuava, tinha umas batidas de garfos nos cristas, mas ele continuava, e andava, ia perdendo as pernas no meio do caminho, e cada passo que dava era mais leve que o anterior, já então era um dó, mi natural, fá e nessa altura já era se apoiar com as mãos no chão pedindo ajuda dos que olhavam mudos pra ele, amuados e com cara não estamos entendendo nada, então vinha o sol da redenção, e logo então dó e sol, e o Golem finalmente cai com a batida do último dó...

Daí tudo ficava brilhante depois no apareciam mulheres zanzareteando, no meio de uma festa. E tinha um pau de sebo, mas todo em vermelho de onde desciam tecidos, e bandeiras que se estendiam até perder de vista. As pessoas riam, riam, e festejavam, e ele não entendia muito bem, andava meio que atordoado pela multidão rindo-se, no fundo as letras ademinado começaram a cair formando um adem e o niado pendido e em ordem inversa, mas nem se percebia o detalhe e foi o pânico geral, porque eram os asteróides chegando para festejar o fim-do-mundo.

E foi o parque se esvaziando, de gritarias, daí pareceu encontrar uma presença familiar, era seu irmão, mas ali vestido de outra pessoa, que ele nunca tinha visto, não sabia como era seu irmão com uma aparência tão diferente, usava um daqueles macacães de jeans sobre uma peça embaixo, e o irmão olha pra ele, apiedado, e diz, segura, segura aqui, e vai ter que continuar, é nessa hora, que ele sente uma claridade imensa e um estrondo, parecia que lhe tinham explodido o corpo com mil rajadas, mas não doía. Olhava e não entendia como era estar morto, mas continuar a mesma coisa de antes, como podia ser isso. De susto, acordava.

E seguia pro trabalho de revisor geral dos registros.

Configuração do Real.

É a vida cedendo, ou a morte empurrando?
Distante, linha tênue de separação.
Vai longe, claudicando quase um não-sou.
No espaço se biparte: um pra cá um pra lá.
Na retina é horizonte das causas perdidas,
fluxo unidirecional, contínuo.



domingo, 1 de novembro de 2009

Mozart, Mozart, Mozart.

Um textinho, palavrinhas, escritinhados, algumas coisinhas com a valsa da dor do Villa-Lobos. (Uma folga pros ouvidos de tanto Mozart). Ando escutando tanto Mozart ultimamente que a Rainha da noite tá me fazendo os olhos variarem com os agudos.

Nem há como relacionar o que me surpreende mais em Mozart e o que eu acho mais lindo... Mais lindo, eis uma locução inútil pra falar de Mozart, acho que tudo é mais lindo. Como se faz pra dizer qual dos 27 concertos é o mais lindo?

Bom, ultimamente tenho ouvido os últimos 8 concertos (do 20 ao 27), que parecem a primeira vista, ser o lado mais maduro do Mozart. Mas isto de madureza musical com a idade avançada nem sempre é verdade, e pra mim, este senhor é um bom exemplo disso. Afinal, há mais a dizer do que o Concerto 9? O primeiro movimento absurdamente lindo, seguido pelo MONUMENTAL segundo movimento em menor (ver motivos chopinianos). E ele tinha 21 anos, quando compôs isto...
(Li uma vez que na verdade este é o primeiro concerto dele, de facto, por exemplo os quatro primeiros são como "variações para piano e orquestra" de temas de outros compositores).

De qualquer jeito, por motivos Chopinianos (motivos chopinianos?), os que mais mexiam comigo até eu enlouquecer na fase Mozartiana eram os de tonalidade menor (20-24).
Foi só até eu escutar as gravações do 25, e do 27...

Dos populares então (21-23), nem há o que se falar, acho que nunca se fez na história da música coisa tão linda quanto o segundo movimento do 21... Segundo movimento em Mozart significa: as coisas mais lindas que se pode ouvir - e aqui está aquela locução que eu dizia que não fazi sentido usar ... (não esquecer do 22 em Dó menor... eu ainda acho que foi dali que o Beethoven tirou aquele segundo movimento ABSURDO da Heróica).

E se isto não for suficiente, tem as Sonatas pra piano, destas infelizmente ouvi pouco ainda (tenho na cabeça só 4...). Os Trios... maravilhosos. As Sinfonias, são apenas 50 em número... e conheço só 25-38-39-40-41...

Se eu entrar pra falar de óperas... meu Deus. (Vejam por exemplo aqueles absurdos wagnerianos, que os cantores não conseguem respirar, são em muito diferentes dos absurdos mozartianos, com respirações precisas... veja-se também o fantasma do Don Giovani aparecendo no concerto 20...).

Acho que já deu pra perceber que eu tenho uma "quedinha" por Mozart... nunca tinha reparado isso, mas talvez mais do que qualquer outro compositor (até mesmo Bach).

Só Mozart salva...