domingo, 17 de junho de 2012

Os Dragões não conhecem o Paraíso

Depois de ler um conto de Caio Fernando Abreu, este. Que metáfora linda...

Somos seres "modernos!": pós-feminismo, pós-revolução sexual, pós-direito à individualidade, pós-kafkianos (pós: no sentido de depois de descobrirmos o "nos notarmos baratinhas na sociedade, nos tornarmos uma caixinha, uma unidade, um número, um formato, um disquete", somos pós este conceito. Em uma sociedade cheia de leis, cheia de seguridades que não nos servem. A partir disto a realidade fica cheio de um realismo fantástico).

As mulheres, o direito ao cabresto: podem ser elas mesmas, têm direito a uma alma. Não são mais responsáveis pelos filhos, na medida em que todos os sejam, não são mais responsáveis se quer por um feto. A que custas isto foi gerado. A muitas custas. Lá vão algumas dezenas de milhares de anos desde a pré-história.

Uma individualidade totalmente nova.

Sobrou uma realidade fragmentada: sozinha, branca. Uma realidade apenas: relacionar-se virou um infinito, infinito de insegurança, medo, coisas boas. Um eterno encontro-desencontro.

O conto de Caio Fernando Abreu descortina. Desconcerta. Abre. Rasga. O amor, este amor romântico, este dos poetas byronianos, doentes pelo amor, amor de morte no romantismo, o amor pelo qual se vive, qual o amor conjugal acontece como conviver com o Dragão. Como é que se convive com o Dragão.

A imagem: viver com dragão pra relacionar-se é...

É.

O imaginário de Caio Fernando Abreu se desprende completamente no conto. Pareço perceber que ele seja auto-biográfico, que na pormenorização de detalhes estão as situações, o dia-a-dia, apenas ali uma roupagem diferente. Novas palavras, invenções pra deixar a coisa com um caráter onírico... Para parecer que tudo acontece nublado, na névoa de um sonho: que grande truque! É lindo...
Não auto-biográfico de fatos. De imaginário e fato: ambos se misturando tecendo a imagem onírica do conto.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Tagesbuch 1

É estranho. A Europa me traz lembranças e me dá sensações estranhas. Havia tanta coisa bela para se ver, tanta coisa interessante... Museus, paisagens, castelos, casas, hotéis, igrejas, paragens, teatros, salas de concerto, pontes, construções, ...

Ao mesmo tempo, aquilo era tão distante do que o que eu era...

Eu não era nada, de fato. Mas muito menos aquilo...
Era muito estranho ver tanta beleza, viajar e ver tanta coisa linda e diversa, tanta gente diferente, mas estar ao mesmo tempo absolutamente sozinho e sem par nestas viagens. Não ter enfim, ninguém para compartilhar estas viagens que se faz absolutamente sozinho.

Trata-se em parte de uma tortura.

Fiquei pensando que nós... só nos definimos enquanto sujeitos, como o que somos pelo que os outros são. Nos definimos por contraste. A verdade é que sem os outros não somos nada. Sem nosso em torno não somos nem mera imaginação.

Aí é que está a essência do meu período europeu: me definir por contraste através daquilo que eu passava: nada naquilo era o que me significava... Estava plenamente sozinho.

Estar plenamente sozinho é bom. E também ruim. É ruim. Desesperador. Nunca ter par. Ou ter pares sempre parciais... sempre de insatisfação. Ao mesmo tempo, apenas sozinho, na sensação de se estar completamente sozinho se pode descobrir qualquer pequena compreensão sobre o mundo.

Fiquei já horas pensando em como poderia ter passado um período melhor. Um período legal, diferente, com amigos, com uma sociabilidade mínima. Depois pensei em todo o resto, em como eu me vejo em meu eu-por-dentro, em minhas angústias, e acabo concluindo que não poderia ser muito diferente daquilo que foi... por vários impedimentos. Um dos grandes é o fato de os alemães serem bem mais fechados que os brasileiros. Muito mais reservados. Não no geral, não os 80 milhões de alemães e os 200 milhões de brasileiros. Os que estavam no meu em torno. Outra grande dificuldade é a língua, que pra mim acontecia como um rascunho... tudo que sei de alemão, pra expressar tudo que gostaria de expressar, é um rascunho apenas. E outras dificuldades como não conhecer ninguém de início. Como ser gay e estar entre brasileiros, árabes alguns alemães, alguns outros homofóbicos, de início. Por estar sozinho então em Tübingen... Como estar muito acima do peso, estar gordo demais...

Teve uma parte interessante, depois pensei. A pesquisa. Não engrenou como deveria, mas foi interessante, aprendi sim métodos novos e coisas legais, coisas que me podem ajudar eventualmente num futuro.

Então voltei pra casa, voltei pro Brasil, para acabar o doutorado. O fim do namoro, e o final do doutorado (que não acabava), me fizeram sentir perdido dentro de mim. Estava lá. Jazia... Não sabia o que querer pra mim. Tenho clara uma sensação na cabeça. Fui fazer concurso no Crato. Voltei. Lembro de ao chegar de volta no apto, a 1 da manhã depois de um dia todo de viagem pensar qualquer coisa como "me deixem praticar meu desencarne A-GO-RA!" (Era uma sensação em que não sabia qual destas era mais: se o cansaço da viagem, se o concurso que não dera certo, se o continuar perdido na vida).

Daí conheci Guixo e uma nova luz veio se acendendo. A conexão que eu tinha perdido todos estes anos, que eu procurava, finalmente tinha encontrado... Ou parecia que tinha. Depois de alguns meses, voltei a ficar sozinho, para terminar o doutorado que nunca terminava. Guixo em Berlim no doutorado sanduíche...

Depois teve um segundo período europeu... já vai quase há um ano este. Tão diferente e igualmente tão difícil. Aquela que era pra ser a grande viagem, de alegria e felicidade e que no final, acabou sendo um motivo enorme de tortura, uma dor que me persegue até hoje, e que nunca me deixa em paz.

Concluí. Finalmente cheguei a concluir que de fato estava jogando meu refúgio, minhas esperanças de vida segura, minha identificação, tudo isso estava colocado no lugar errado. Não propriamente colocado no lugar errado... Estava "depositando apenas" (em algum lugar) como se fosse meu refúgio, minha fonte de vida, minha razão, meu bem mais precioso, aquilo que me daria toda estabilidade. E o fato é que nada disso existe nem nunca existirá. Não existe refúgio. Nem vida segura ou identificação.

Esta é uma grande conclusão. Que demorou a me chegar. Gosto de chegar a conclusões de maneira orgânica... só na pele é que se conclui alguma coisa. E as visões do mundo que tenho construído que se vão sobrepondo, estas, as mais duradouras, são as que vincam mais fundo na pele.

Tive até uma pequena epifania sobre o poema do Rilke, "Der Tod des Dichters", que começa com
"Er lag." Pensei exatamente: é isso! Er lag!
Morto ou não, não existe nenhuma segurança. Ter segurança é uma ilusão. Então "Er lag" pode significar o "eis tudo": jazer... uma intransitividade infinita. Um não estar conectado. Resolvi que escreveria finalmente um conto sobre isto dos 11 que penso sobre a Sinfonia 14. Vamos ver se meu por dentro me ajuda.

Ps. Aparte a tudo isso, eu NUNCA, nunca me esquecerei das (infelizmente poucas) montagens de ópera que vi no Sttutgart Staatstheater...
Quero NUNCA me esquecer daquela Aída com Chariklia Mavriopoulo no papel de Amnéris que me faz ainda chorar de emoção muitas vezes que eu lembro...
Nunca me esquecer de Maria Siri no papel de Leonora do Trovatore e aquele miserere, que estou todo arrepiado.
E aquela Liú, mais doce do mundo do Signore Ascolta, do Tu che di gel sei cinta... Nunca, absolutamente enquanto tiver qualquer sanidade, me recuso a esquecer...(ai... exatamente no dia em que fiz 28 anos...).

E aí está a ironia final: estava e estou ABSOLUTAMENTE sozinho nos momentos mais belos. Além de nunca os esquecer, nunca os poderei compartilhar...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Sentimento do Mundo

O sentimento do mundo nas palavras se vai multiplicando.

Cesaireana


Vai! Mundo hétero terrivelmente lasso,
querer fazer todo mundo igual
a sua triste imagem opressiva
degradante, humilhante e decadente.

Homem branco hétero.
Mulher branca hétero.
Homem preto hétero.
Mulher preta hétero.
Gay hétero.
Lésbica hétero
Bicha hétero.
Sapa hétero.
Transsexual hétero.
Travesti hétero.
Indefinido hétero
Não-qualificado hétero.
Toda heterossexualidade num branco inexaurível. Incolor-insípido-exangue.
Insosso e fraco.

Um voyeurismo hétero do começo ao fim.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A Marcha das Vadias

As mulheres gritando em alto e bom som que "o nosso corpo é nosso" e não do estado...

O direito a "ser uma vadia", uma vadia em todos os bons sentidos desta palavra... Porque na verdade, NÃO HÁ NENHUM mal sentido pra ela, a não ser nas mentes machistas de alguns (muitos). Vadia em sentido pejorativo, em sentido de xingamento, só pode vir de uma mente perturbada, uma que mereça o sanatório...

Oras pois... ser uma vadia, afinal, é poder explorar todas as potencialidades sexuais E sensuais do corpo. Estas potencialidades que já existem, e que o estado machista toma pra si, botando o cabresto no corpo feminino, "isto me pertence".

Não fosse apenas isto, há todo o escárnio de se inverter o que era usado para xingamento (pela "moral e bons costumes"), vadia, usando-o pra violentar uma moralidade falida, violentando com a sensualidade, violentando com o próprio corpo!

Eu? Rio de muita felicidade com a conversão do machismo histórico em escárnio e sensualidade!
Um viva à marcha das vadias em todas as cidades do mundo!
Viva!

Vegetariano

Ser vegetariano pra quê?

Pra quê ser vegetariano, afinal? Para ouvir piadas infames em refeitórios, cantinas, restaurantes, piadas de amigos sobre o "sofrimento da alface"? Pra que os mesmos os contadores se refestelem num covil sanguinolento que alcança seus pratos, enquanto acham "ridícula essa tendência vegetariana"? Pra que contem vantagens de refinamento gastronômico sobre os mesmos bichos que chegam ao prato com sangue escorrendo?

Pra quê se importar com seres, se o fato de se importar gera só mais incômodo, mais estranhamento, gera comentários como "opção sua" (respeitar a vida alheia virou mera "opção minha" neste discurso)...

Porque demonstrar um mínimo de respeito pela vida animal em um lugar em que se riem deste tipo de vida, como simplesmente: aqueles que não têm direito (nenhum), e que podem ser meramente usados.
Aqueles a que se inventam instituições pra certificar uma morte ética? Aqueles a quem "meu Deus do céu, o abate precisa rigorosamente inspecionado dentro dos códigos morais e éticos"! Precisa ser um abate institucional!

Morte ética?

Ser vegetariano pra quê, afinal?

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Na madrugada


fechar os olhos e ali está o infinito. Infinito tudo. Infinita música, infinita beleza, infinita tristeza. Infinitas palavras, infinitos pensamentos, infinitas inquietudes.

Estranho haver tudo aquilo. Um tudo tão tudo, tudo pesado. Pesadíssimo. Há e não há, por haver só pra mim. O que há só pra mim existe de fato?

Uma dispersão. Um colapso. Outra dispersão, outro colapso.

Possibilidade é o indefinido: infinito não-contável. Infinito real: continuum, não correlacionável.
Escolha é colapso: O Universo e tudo que existe nele.

Possibilidade é não existir. Colapso existir.

Desespero

no blog. Registrado em 1 de junho. Desespero sólido.

Uma questão semântica

é ir ou vir. Vir ou ir sem referencial é no indefinido (de lá se diz venha, de cá "se digo" vou). No indefinido que se contornam grandes dilemas. Falta lá fluxo. Falta lá colapso. Falta lá o tempo.

Tempo: ir e vir. Tempo agrega. Pesa. Ir e vir.
Ir e vir reto. Indefinido curvo.
Ir e vir verbo ser. Indefinido verbo espalhar.

Tempo de ir e vir: 5 segundos. Tempo do indefinido: indefinido.
Espaço pra ir e vir: mundo, Universo e todas as coisas. Espaço do indefinido: o infinito não contável.

Confiança

Confiança é um conceito abstrato. Um conceito de compreensão, mais complexo que a compreensão do outro mundo (sim, porque é muito verdade que devemos deixar o outro mundo em paz, porque o mistério está neste, disse o Quintana).

Confiança é quando se deposita alguma esperança em alguém a fundo perdido. Em geral é uma alternativa de desespero: só se usa de confiança quando não há mais nenhum recurso disponível.

Então a vida requer que confiemos. Porque os recursos próprios que dispomos, para controlar as circunstâncias que nos rodeiam são absolutamente escassos. Na verdade, temos uma ilusão barata de controle de circunstâncias de nossa vida, mas é bem barata este ilusão, de fato não controlamos nada. Ou quase nada. Então, para todo o resto há uma confiança. Uma confiança cega, se pode dizer.

Confiança é o papel que se paga pela existência. Existir demanda confiar.

Menor

Gosto de chuva, quero.
Gosto violeta na boca, quero.
Gosto de marca no rosto, quero.
Gosto vermelho rasgando, quero.

Horizonte amarelo ondulante, quero.
Não querer fechar os olhos, quero.
Frio trincante, estilhaçador, quero.
Novo de nada e começo, quero.

Militância e Luta


Militância não porque o mundo seja um lugar bonito. Não pra torná-lo um lugar melhor. Militância a fundo perdido.

Militância porque não saber como é o mundo daqui pra frente. Só como ele não tem que ser.
Não porque ele não vá se tornar isso. O mundo vai se tornar, aquilo que se luta contra. O que se luta contra e irá se tornar: o que se luta contra.

Militar que não se afiliar a um movimento voltado pra esta ou aquela causas. Militar que seja se manter atento.

O mundo é horrível. As pessoas são horríveis. Nós. Não tenho nenhuma esperança de que o mundo se torne um lugar melhor. Militância e luta porque é a única coisa que sei fazer...