sábado, 31 de dezembro de 2016

Objetivo

para 2017: des-dominar a vida.
Reverter a calçada.

Armário

Existe homossexualidade... sem armário?

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Warley Noua

Texto de Warley, Noua.

https://www.youtube.com/watch?v=4Wc543Cdr6c

Pervertido,
mal amado,
menino malvado,
muito cuidado,
má influência,
péssima aparência
menino indecente,
viaaaaadooo!

Eu pareço confiante na frente de vocês
mas na verdade, na verdade
eu tô cheio de medo
você tem noção de quantas pessoas
no curso de casa pra cá
me apontaram o dedo?
Você tem noção de que o meu cabelo
incomoda tanto, que eu falo com propriedade
a maioria dos brancos fazem cara de nojo
que é sinônimo de desgosto
e você tem noção
de que nojo significa profunda tristeza
eu sinto com toda certeza
o teu olhar de estranheza
dizer que eu não me incomodo
pode soar bem na poesia
mas ouçam bem, ouçam bem
o medo tá ao meu lado dia-a-dia
me incomoda sim
o teu olhar sobre mim
me incomoda e muito
ouvir os teus insultos que às vezes
se mascaram, ninguém percebeu, pensaram
Eu! Te percebi, agora sabe quem me percebe
a Rota, a PM, a tática,
que sempre ao me ver
friamente me segue
o que eu sinto aqui dentro
é vontade de te agredir
é loucura pensar no que eu sinto
mas é o que eu sinto pra amenizar
essa dor aqui.

Nojo,
também é enjoo por algo desagradável,
repulsa,
repugnância.

Você quer mesmo morrer vomitando?
Então foca bem em mim...
morra de ânsia!

(Porque há neste país uma grandeza se anunciando. E este processo é inexorável).

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Ação

Contra a realidade dura e sólida, contra o objetivismo histórico, o método, o desenvolvimento, a evolução, devemos perguntar que fundamento tem afinal esta ação.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Caio Fernando

E se tudo isso que você acha nojento, for exatamente o que chamam amor?

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Retalhos

Vi Foucault se esmigalhando deitado no chão estraçalhado na minha frente. A história da loucura se desfazendo em letras desmantelando todas as palavras...
Era uma atmosfera mórbida, schubertiana, com a Sonata D959, no segundo movimento, mas em tom maior.

Diz uma voz, vai fuder, vai logo NawDasLoka. Liguei o carro, destino Xanxerê e uma suruba, paus enormes, corpos normativos, tudo que a NawDasLoka não levava, ela levava, mas no som ia a 959, segundo movimento quão fúnebre, não combinava com uma suruba, a não ser que fosse daquelas estilo 120 de Sodoma e não era. Som 959 acaba de mudar o modo, que ironia. Um absurdo o tom maior, coisa temerosa. Esse tom não combina com você meu amor, Schubert era horrendo como sabemos, jovem, sifilítico e loka como Goethe da sífilis da loucura delas, NawDasloka, como que pode esse lamento terrível, e você acha que ainda vai escutar, escuta nada, você, espalhafatoso deste jeito, todo gemendo com as Violetas verdianas, 80km por hora, já passamos Xaxim. Boy, Schubert morreu 3 anos antes de ti, viveu 3 anos a menos do que já você e que atmosfera lúgubre tem essa Sonata, que sonoridade excessiva de tristeza, afinal essa NawDasLoka vai pra suruba ou pra enterro...

Pra ondé que vai a NawDasLoka, leva um Foucault esmigalhado em letras no porta-luvas, Sodoma é que não é, chega em Xanxerê, im Dorfe, vamos entrando, vamos entrando, todo mundo pelado, paus duros, bundas pra cima, paus bundas, bocas, línguas, boys e mais boys e mais boys, se se reproduzem é por cissiparidade, ou partenogênese em contato com água, pelo aparecimento, tantos boys, aparecendo, onde é que estavam... boys ao ritmo de Schubert: rê-rê-rê-rê... um rê-rê-rê-rê insistente que n~åo deixa o lutpo acontecer, não deicxa a agonia, rê-rê-rê-rê, si... rê-rê-rê-rê... lá rê-rê-rê-rê... dó si lá si rê dó si lá, rê-rê-rê-rê... es schlafen die Menschen in ihren Betten, träumen sie was. Hätten sie was zu träumen?

Segue NawDasLoka suruba terminada, como que num sonho sonhando, perdida numa névoa fina levando pra um desatino desconhecido essa de Schubert, 959, träumen sie manches, was sie nicht haben, o que seria, um clima fúnebre, um luto, é isto, NawDasLoka em luto. O que você não tem neste momento, NawDas é o luto, porque está seca, vazia e oca, derrubada e pálida, lê lá nas práticas de Willis, algum vapor pra prensar esses nervos zu viel zu nachgelassen, vai seca, seca, seca, das Gras: verdorret und die Blumen: abgefallen, mas aí já pulamos uns 30 anos. NawDas não tem nem um puto. Puto na falta de luto.

NawDas aporta, Stultifera Navis rê-rê-rê-rê loka-loka-loka-loka, rê-rê-rê-rê, fetrum venit, a obstinação de Schubert chega a loucura: rê-rê-rê-rê. Sífilis e morte.

rê-rê-rê-rê
rê-rê-rê-rê
rê-rê-rê-rê
rê-rê-rê-rê
rê-rê-rê-rê
rê-rê-rê-rê
rê-rê-rê-rê
rê-rê-rê-rê...


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

NawDasLoka

A NawDasLoka
que todas embarca,
desgovernada
no Tietê

Toda viagem
só pode fazer
numa Narrenschiff,
no elogio.

Vain,
veia do cérebro
encheiosa, motivo,
vapores vanitas

achega da estupidez
das mulher preta,
das vyada,
as travesti,

a trans,
o trans trava, as mulher,
necessidade específica,
NawDasLoka.

Cambalacho
todas embarca
nanawdasloka
parte stultifera navis.

Solilóquio

Loucura,
demência,
furor,
desatino,
desrazão,
imbecilidade,
estupidez,
mania,
morosidade,
melancolia,
poesia.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Lembrança

De uma vila muito longínqua, em um tempo anacrônico, em um lugar delocalizado, de uma realidade inverossímil, quando um menino de três anos, neste país irremoto, caminhava pelas calçadas desde sua casa até a escola acompanhado por seu pai, este menino que queria usar saia.

O pai, que entendendo a saia como uma vestimenta possível, no hall dos costumes e certezas da sociedade positiva, vestiu o menino de saia para ir a escola e foi achincalhado porque oras o menino iria afinal sofrer bullying na escola. O pai, não teria responsabilidade, ou a responsabilidade que era pra ter. Essa responsabilidade mantenedora, ele não a tinha...

Pior do que isso, diriam algumas vozes. Não bastando, resolveu também o pai, par se, ao acompanhar seu filho na escola, vestir outra saia. E iam os dois, vestidos, com costumes possíveis, para este local difuso, completo por grades.

domingo, 18 de dezembro de 2016

Noel Rosa

Último Desejo

Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo
numa festa de São João 
Morre hoje sem foguete, 
sem retrato e sem bilhete 
Sem luar, sem violão 
Perto de você me calo 
Tudo penso e nada falo, 
tenho medo de chorar 
Nunca mais quero o seu beijo 
Mas meu último desejo 
você não pode negar 

Se alguma pessoa amiga 
pedir que você lhe diga 
Se você me quer ou não 
Diga que você me adora, 
que você lamenta e chora 
A nossa separação 
Às pessoas que eu detesto 
Diga sempre que eu não presto, 
que o meu lar é o botequim 
E que eu arruinei sua vida 
Que eu não mereço a comida 
que você pagou pra mim

(É como se... Noel Rosa tivesse me escrito... linha por linha, palavra por palavra, letra por letra).

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Vasto mundo

Nós lidamos com isso fingindo que entendemos...
Eu não entendo isso.
Quem acredita em wifi, acredita em centro espírita.
Você vai dizer pra mim que uma pessoa quando morre,
não pode ficar em signo, se tudo que esta realidade é, está em signo?
Se eu passo 30 mil páginas, 300 mil ou todo conhecimento da humanidade,
PELO AR, pra ele?
Se o virtual pode, o que mais pode? E o que não pode?

Viviane Mosé.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Solidão

"... Ora, a solidão, ainda vai ter de aprender muito para saber o que isto é, Sempre vivi só, Também eu, mas a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz, Você está a tresvariar, tudo quanto menciona está ligado entre si, aí não há solidão nenhuma..."


Diálogos entre o fantasma de Fernando Pessoa e seu (ainda vivo) heterônimo, Ricardo Reis extraídos de, O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago...

sábado, 19 de novembro de 2016

Preso

Verdadeira prisão é aceitar estar preso...
(De "O Ano da Morte de Ricardo Reis", Saramago).

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Nascer

O silêncio é o gestador dos grandes encontros.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Estudantes estão vivos em 2016

Estudantes ocupando escolas e tendo as experiências da nossa vida por lá... Lutando contra uma pec241 tremenda, horrível, intimidante, abusada, absurda. Talvez uma coisa tão maior do que o talvez. Do que eles mesmo entendam, lutando por conceitos e estruturas simples: educação, saúde, direitos básicos e não arredamos mais o pé. Estas(es) jovens, tão pequenas(os) e valentes...

Estudantes ocupam a escola Irene Stonoga em Chapecó e a escola Tancredo Neves... E a Universidade Federal.

Gerem a limpeza da escola, a cozinha, os mantimentos, como cozinhar, o que comer, quando comer, a grana, a arrecadação de mantimentos, os corredores, o calendário de ocupação com atividades múltiplas.

Que tal: listando os problemas da estrutura física da escola? "Descarga com problema, não use." "Grama cortada, muro quebrado, lâmpadas a trocar, reformas estruturais nas salas, carteiras quebradas?". Uma experiência ABSOLUTAMENTE ÚNICA do espaço público da escola, sendo levada a sério com uma civilidade que... de onde foi que eles tiraram?

Tendo talvez nenhum exemplo nisto, talvez nem de pais, dentre os quais podemos citar, uma tentativa de "botar fogo na escola" pra tirá-los de lá, ou ameaçando este movimento de ocupação eventualmente com arma de fogo. Esbofeteando alguns dos ocupantes, que tal?

Não de governos e suas pecs241, se representados por uma diretora que chama a tropa de choque com fuzis para intimidá-los. Que tal de professores, que torcem o nariz para a ocupação, estas e outras, talvez o único corpo coletivo (as ocupações) que está lutando contra um governo de vampiros tornando todo mundo igual a eles? Deve é ser uma terrível e mortal inveja...

Onde foi que aprenderam esta civilidade pública?

Mas não, senhores conservadores que imediatamente perguntem "estes vagabundos estão impedindo as aulas? Faltando-as? E a matemática, a história, a biologia?" não, senhores conservadores, CONCOMITANTE a isto, as aulas vêm sendo mantidas no Irene Stonoga... Estudantes vamos acordar as 6 da manhã, lavar a escola, arrumar o acampamento, tirar os colchões, montar as salas que a aula começa as 7:30. O mesmo ao meio dia e as 18h.

Em uma dinâmica de grupo, vejo estudantes se apresentando: meu nome é André, Silmara, Paulo, Joana, sou lésbica, gay, hétero, bissexual, não tenho sexualidade, cis, feliz, tenho fissura em barriga, sou comunista, sou evangélico, gosto de falar comigo mesma, sou teimosa, tímido, gorda, cabeludo, só gosto de skate, sou eclético, gosto de todos os tipos de gentes e músicas e comidas.

Estudantes ocupam escolas em 2016. Eles afinal tem todo o futuro a perder, talvez mais do que uma geração de 1980, que o Brasil, este país do futuro... (De gays no armário que ainda se escondem atrás de casamentos falsos? Geração conservadora, geração perdida). A vida vai rindo, que estardalhaço este existir.

Riem-se de uma geração de 1980, que afinal, vocês vão sair do armário antes de morrer?
Avisem-nos quando decidirem parar com este (e outros) fingimento(s)...

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Perder

Quando você sentir que perdeu tudo, tendo a percepção de que, na realidade, você apenas se enganou em possuir muitas coisas. Estas coisas, elas que você nunca possuiu, perdendo-as portanto fantasmagoricamente. Quando você sentir que perdeu tudo, e perdeu os bens mais preciosos a sua vida, ao seu querer. Quando perdeu toda a vontade, quando perdeu todas as certezas, e especialmente sua estabilidade. Então a vida começa.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Amor do poeta, volume 12

Hör' ich das Liedchen klingen, 
das einst die Liebste sang, 
so will mir die Brust zerspringen 
von wildem Schmerzendrang. 

Es treibt mich ein dunkles Sehnen 
hinauf zur Waldeshöh', 
dort lös't sich auf in Tränen 
mein übergroßes Weh'.

https://www.youtube.com/watch?v=RBdPR_wGYSI

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Me achei

VIDA VIDINHA

A solteirona e seu pé de begônia
a solteirona e seu gato cinzento
a solteirona e seu bolo de amêndoas
a solteirona e sua renda de bilro
a solteirona e seu jornal de modas
a solteirona e seu livro de missa
a solteirona e seu armário fechado
a solteirona e sua janela
a solteirona e seu olhar vazio
a solteirona e seus bandós grisalhos
a solteirona e seu bandolim
a solteirona e seu noivo-retrato
a solteirona e seu tempo infinito
a solteirona e seu travesseiro
ardente, molhado
de soluços.

(Drummond)

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Mensalidade

Vida a prestações
de sensações retesadas
e tristezas hiperfinas
contadas em gotas
de palavras epiteliais
e economia de tempo

Há muito tempo que
O tempo vem preparando
o assassinato do tempo
que uma vez morto,
não deixa tempo
pra nada.

Risos reservados
tristezas permanentes
certezas deprimentes
corpos anestesiados
vida acumulando.

sábado, 27 de agosto de 2016

Impeachment

Este impeachment está sendo escrito linha por linha, capítulo por capítulo, palavra por palavra em cima do livro "O Processo" do Kafka. Pensando neste processo de impeachment e me lembrei. É impressionante a semelhança entre o livro e este julgamento. Não é só semelhante, são a mesma coisa.

Isto tudo, todo esse espetáculo, que grande farsa.

Vamos todos pra rua farsear junto com os mais altos cargos da nossa república, com os mais altos representantes, sentados em cima da sua bunda inerte. Vamos minha gente, eles já estão mortos.

É um bom capítulo do livro, a atmosfera psíquica é idêntica. A loucura é a mesma. No livro, o indivíduo não sabe sobre o que é julgado, sobre quais crimes cometeu, se é que de fato crimes cometeu. (Ele nasce já julgado de crimes que se quer sabe quais são... o tribunal de julgamento é somente pró-forma). Os examinadores lhe afirmam em tom monocórdio, "Não importa quais crimes você cometeu, não importa se quer se você sabe da lei, que ela exista, ou não, isso tudo é indiferente aos olhos de que, sim, a lei existe e o senhor cometeu crime". Mas que crime teria cometido.

Quase que não importa que ele tenha de fato cometido ou não crimes. O que importa na verdade é este clima psíquico de condenação. Se condena por intenções ("Doutora Janaína, mas isto não é crime", "Como não é crime? Os decretos representaram um inchaço do orçamento, o que foi usado com a INTENÇÃO eleitoreira de um ganhar a eleição, e não respeitaram a PREVISÃO do orçamento"... Intenção tanto quanto previsões não cumpridas viraram crimes). O que garante ao sujeito se ele tem ou não direito não é um papel, um livro (constituição), nem mesmo o bom-senso das pessoas letradas (vejam estes juízes meus senhores, sentados em suas cadeiras, vejam estes doutores e todas estas pretensões farsescas, que circo romano!).

O engraçado é Kafka ter escrito este livro na década de 1920, quase 100 anos atrás, com um apelo ao realismo fantástico, (quando alguns fatos inverossímeis são "inventados") e a partir das reações e dos desenvolvimentos subsequentes a estes "fatos inventados", vamos tecendo uma realidade (kafkiana): a atmosfera do absurdo. (Parece que a realidade beira ao absurdo, mas ninguém está ali pra nos dizer, até que algo acontece e o absurdo entra em ignição). Porque parece que a atmosfera do absurdo está ali sempre presente, pronta a se jogar no precipício, só esperando um empurrão...

A realidade sacolejando no anacronismo da história...

No final vejam meus amigos com aquela severa cadeira de Lewandowski se fazendo de sério, rei sobre todos os reis, de Renan Calheiros tentando manter uma compostura (?) e qual compostura um Senado tenha, a esta severa face de boa temperança, de bom equilíbrio, pedindo vênias, cinco minutos pra se recompor, cinco minutos pra recuperarmos nossa dignidade, cinco minutos, Dilma deve olhar ao superior ministro e dizer letra por letra, palavra por palavra, frase por frase como o (não)-herói do Processo de Kafka, Josef K., com a convicção de quem não precisa de escusas em um processo que já nasceu julgado: "todo este processo que o senhor conduz meu caro, Ilustríssimo senhor Lewandowski, condutor deste inimputável superior dentre todos os superiores tribunais desta nação, este processo todo é uma absoluta FARSA!"

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Face ou, a ressentida

Compartilhe curta goste comente clique
defina-se com duas letras neste espaço
diga-me feliz seu estardalhaço
As suas últimas respirações, publique

As mais lindas fotos duma felicidade
todos somos lindos e na tenra idade
fale ao mundo com coração de quem ama,
dois mil amigos na solidão de sua cama.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Essa ternura

"Não sei como me defender dessa ternura que cresce escondido e, de repente, salta para fora de mim, querendo atingir todo mundo. Tão inesperada quanto a vontade de ferir, e com o mesmo ímpeto, a mesma densidade. Mas é mais frustrante. Sempre encontro a quem magoar com uma palavra ou um gesto. Mas nunca alguém que eu possa acariciar os cabelos, apertar a mão ou deitar a cabeça no ombro. Sempre o mesmo círculo vicioso: da solidão nasce a ternura, da ternura frustrada a agressão, e da agressividade torna a surgir a solidão. Todos os dias o ciclo se repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente. E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e se sucedem e deixam sempre sede no fim."

Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Poema

Quando tinha 15, achei que eram só palavras.
Quando tinha 30 achei que tinha capturado sentido.
Aos 45 entendi que com 30 não tinha entendido nada.
Nos 60 achei que os sons eram bonitos se ditos alto.
Com 75 ainda chorava ao lembrar, mesmo esquecido.
Aos 80 então, colocaram sobre mim em pedra.
Até hoje lá está.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Organização

Esta organização excessiva, essa fragmentação elevada a último nível pode dar a impressão de que tudo na vida tem um propósito, de que nossas ações devem ser organizadas para gerar o máximo de propósitos possíveis. Há uma indelével certeza de que viver é maximizar as certezas.

O grande propósito é desfazer todos os propósitos. É se movimentar por entre o desconhecido absoluto, o absurdo, o inenarrável, com leveza e graciosidade. Ou gargalhando.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Tudo sobre a escola sem partido

Ai estes(as) protagonistas da escola sem partido querendo transformar um espaço público em algo tão insosso quanto eles(as) mesmos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Os ninguéns

As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

(Eduardo Galeano).

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Forma

Os corpos não são para todos.
Existir o corpo não é para todos.
Há corpos que não existem
em sua invisibilidade.

Corpos que não se tem.
Escondidos. Penumbra.
Só se os vê com preza atitude de desprezo.
Luz sobre corpos, desprezo.

A luzes se apagam.
Corpos andróginos.
Corpos marcados.
Corpos coloridos.
Corpos gordos.
Corpos velhos.
Corpos caídos.
Corpos rugados.
Corpos mesclados.

Corpos geométricos de curvas decididas
não são pra todos.
Corpos de penumbra sem luzes incididas
não são pra todos.
Corpos nus em sua inexorabilidade
não são pra todos.

Pra dizer a verdade,
Os corpos para todos são bem poucos meu bem.
Corpos incomuns não são para todos
Corpos unidos potência
desnudos meio moucos...
Apaga-se a luz.

Todos os corpos que não são para todos,
inviabilizados não são pra todos,
invisibilizados não são pra todos,
desnaturalizados, desarmados,
desatados do natural
desamarrados de seu ser,
forçados a serem outros,
expressos em existência infame de inquestionável pureza,
corpos corretos encaixotados.

No final, o corpo cria a ilusão
de que o corpo é meu.
De que o corpo é teu.
De que o corpo é dele.
Tudo isto que nos pertence,
mas que um dia deixará de
e que não falemos neste dia,
oxalá longe esteja.

São contudo os corpos, coletivos
O desejo dos corpos é coletivo
A violência sobre os corpos nasce coletiva
E o que mais importa sobre os corpos é coletivo.

A individualidade dos corpos
no próprio corpo,
fala com poética ilibada benevolente,
o lirismo em profusão,
"meu corpo livre,
teu corpo livre,
o corpo dele livre."

Uma falsa impressão da liberdade
e estará sempre ausente
perdida, ao longe.

Gisele

Rostos deitados desconexos
Corpos nus espalmados entre sexos
Recoste num travesseiro desconhecido,
respiração leve.

Remodele suas esperanças meu boy
O corpo vai pesando odores
marcas 
já o dia vai começar, estranho.

Este som macio que te fez chorar
este que te faz lembrar
esqueça boy, esqueça tudo
com a taça de vinho na mão

A tristeza, mesmo ela quer te deixar
dá abertura, deixa ela ir, deixa ir
é a última, claudicante, aproveita
mas não esquece de sempre a lembrar

Que cor tem
que cheiro
onde mora
e o que mais importa: o que deseja.

Ou não, lembre muito bem
de esquecer este destino retorcido,
se o tempo retesado te endurece
se a amargura tece.

Porque esta réstia boy, esta terrível ternura
que te todo dia cresce no peito
que o abre à faca parecendo destino
Não te defendas dela.

Deixa que ela, ópera, dance,
que ela, grande incerteza, voe
sê bom com ela, pois que
pra além de silêncio espalhar-se-á.

Solidão

Como os poetas que cantavam a solidão, viveram solidão, ao longo de tempos, de tempos, de tempos pra lá ou pra cá. A solidão entregue fragmentada desde textos de Caio Fernando Abreu. Esta solidão nos resta saber dela.

A alma canta a solidão.
Vindo de um caminho de breu
na discórdia.
No âmago semente
letra de amargura.
Silêncio solidão em rogo.

Mas se solidão premente
se solidão desejo,
entre espaços microscópicos,
onipresente
me toca solidão em cura,
me abre solidão em fogo.


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Caridade

"Queira Deus que nunca se extinga a caridade para que não venha a acabar-se a pobreza."
Saramago (O Ano da morte de Ricardo Reis).

domingo, 26 de junho de 2016

Falling in love

"I felt in love with him in the way you fall asleep... slowly... then all at once."

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Escolha

O suicídio é realmente uma escolha, se, quando as pessoas se suicidam entendem que este é o único caminho disponível, e nenhuma outra possibilidade existe? Afinal quem é que "escolhe" se suicidar? (Ou melhor, que escolha existe neste caso?).

(A mim, o espírito que paira sobre as águas (uma bludička) adverte: evite o suicídio, ele é feito pra vidas grandiosas...).

domingo, 12 de junho de 2016

Futuro do pretérito

Poliamor

plurissexual-pluridentitário.

Nada-sexual.

Metáfora da solidão persiste (desde os 80).
Negação do corpo virou droga.
Sexo-desejo-libido-fantasia-virilidade-enfastiado.
Vazio.

Relações: máximo três palavras por frase, máximo três frases por dia, máximo três dias por relação. Descontínuas, 27 palavras sem conectivos, máximo poder de síntese, máximo significado das palavras.

Solidariedão.

Palavras que não tem um conceito comum entre as coisas pras/das pessoas. Significados das palavras vendidos em troca de prazeres virtuais.

Corpos poli-interativos em velocidades multi-armazenáveis, pluri-estruturados em ultra-capsulóides de nano-camadas sinc-sincronizados.

Quando a violência não era mais capaz de responder à excitação sexual... Houve então uma fase cinza de depressão absoluta em todas as pessoas do globo. Um desmantelamento do pequeno entendimento conservado até ali. Assexualidade.

Por dez dias ninguém ouviu qualquer som de comunicação. A solidão finalmente ficou tão insuportável, que quando uma pessoa conseguiu olhar pra outra, ambas se abraçaram e começavam a chorar por horas seguidas.

Um

Estoque de solidão.
Esvaecimento da memória, 
Empoeiramento da mobília.
Extinção do passado,
Morte do futuro,
Permanência da angústia.
Sensações iterativas,
Diálogo interminável.
Contingências inexplicáveis,
Frases inatingíveis,
Cores inverossímeis,
Desrealidade.

Remember

Na construção de sentidos,
desde a vizinhança arredia
dentro do calabouço de vida
a morte é vazia.

Os ossos fervem no sangue
tempera uma calda aguçada
cozido o pirão acaba,
bate, servido no chão.

O que come a terra fria
não se engana, pobre vivente
não é vingança nem enfastia
é o sabor da carne suculenta.


terça-feira, 7 de junho de 2016

Modernidade Sólida

Na loja da Oi ao pedir minha linha de telefone, presencio.

-BANDIDAAAAGEEEEEM! Isso é uma mais pura bandidagem, fala pra essa sem-vergonha que eles já falaram isso, mas que não foram lá e não ligaram coisa nenhuma, que meu telefone não tá funcionando, fala que é bandidagem, que aqui só tem bandidagem e que...
-Seu Vanderlei, não adianta o senhor ficar gritando comigo, o senhor tem os seus direitos garantidos e assegurados pelo procon e pode procurar o seu adevogado, além de...
-Mas que direitos, se eu já liguei aqui e já tentei resolver mais de cinco vezes e eles tão me boicotando nessa porcaria dessa empresa, isso aqui é igual aos políticos só querem saber do nosso dinheiro é pura sem.vergonhice...
-Seu Vanderlei, já lhe falei que não adianta o senhor gritar comigo, que os seus direitos os senhor pode procurar com o seu adevogado, que aqui eu posso abrir novamente o chamado para que eles verifiquem se houve boicote como o senhor disse e qual o problema que ocorreu, este chamado leva 10 dias para ser atendido e neste tempo o senhor tem que aguardar...
-O QUE? 10 DIAS? SÓ TEM BANDIDAGEM NESTE LUGAR, pior corja de bandidos e de ladrões, estou lidando com a bandidagem de pior espécie... (Seu Vanderlei pega seu capacete e sair quase voando pela porta soltando fogo pelas ventas).

-Próximo cliente por favor?
-Oi, eu vim pedir minha linha da Oi, já fiz portabilidade do meu número com a tim.
-Sim senhor, preciso de um documento com foto e seu cartão de crédito...
(Ao meu lado, ouço, enquanto espero a atendente falando com uma senhora de ar humilde).

-Sim senhora Maria, infelizmente não posso cancelar porque a linha não está no seu nome...
-Mas então o que tem que fazer pra cancelar o número?
-Pra cancelar esta conta a senhora tem que trazer os documentos, o cpf, a identidade e o atestado de óbito do seu marido...

Dona Maria discretamente enxuga uma lágrima que caia do olho direito e assenta com a cabeça.

Modernidade sólida, difícil.

sábado, 28 de maio de 2016

Elegia

Onde andará Dilmar?

Por anda Dilmar? Tem família, tem filhos, tem uma filha de nome Clara? Clarice? Onde estará, onde estará, que dirá, que dirá, que diria se um dia me vir de novo? Oi, você se lembra de mim? O que você faz agora? Eu casei e tenho uma filha de nome Clara. Já olhava com ansiedade pra essa cena. O que acontece, o que deveria dizer. E você, o que fez, se graduou, casou, matou, que fez de sua vida, pois bem, estudei, estudei e continuo.

Por onde andará Dilmar?

Chamo seu nome baixinho: Dilmar? Baixinho, quase um silêncio, só para mim mesmo, sem ninguém ouvir: Dilmar? Falo em tom mais forte agora quase pra iniciar uma conversa. Dilmar? Energicamente sigo prostrado com a resposta silente, Dilmar? Finalmente grito a plenos pulmões e chego a assustar as pessoas: DILMAAAAAAAARRRRRR???

Silêncio.
When I am laid in earth, may my words create no trouble in thy breast...
Remember me, oh yes, remember me but AH! Forget my fate...

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Nossa esperança com elas.

E em meio a tudo isso, uma cassação às bruxas dos políticos, metade da classe política envolvida em escândalo outra metade com pacto com diabo, as histórias vão acontecendo. Como a história do poliamor entre Ana, Veronica e Nina, a história de amor entre Nina e Veronica que virou poliamor da Ana, três se amando sem caber.

Não há cabimento para o poliamor. Poliamor, como todo e qualquer amor não cabe.

E no meio desta baixaria que estamos passando no país, vou lendo a história de poliamor de Ana, Nina e Veronica, porque a beleza acaba aparecendo por aí desapercebida, a história dos dramas, dos medos, das angústias e dos conflitos poliamorosos sem cabimento delas. Porque amor se ou não poli, não cabe.

Passa no meio de tudo isso, se entremeia nas histórias das sujeiras coletiva, limpando o tecido da esperança.

Nossa esperança é com elas.

http://piaui.folha.uol.com.br/materia/cenas-de-um-casamento/

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Preghiera

Nossa senhora da Butterfly, dos amores desesperados-extraviados-estraçalhados-naufragados, valei-me.

sábado, 16 de abril de 2016

Diálogo

Quem está disposto ao diálogo, pagará com o próprio corpo!

(Estamos oferecendo isso a vocês, nosso próprio corpo,
que é tudo que temos, e que temos certeza não os podem
tomar para si, podendo no máximo tirá-lo de nós).

Quem está disposto ao diálogo, perderá completamente o juízo e será torturado.
Quem está disposto ao diálogo, pode pagar com a vida.
Quanto a quem não está disposto ao diálogo... é porque já está morto.

Coragem!

terça-feira, 15 de março de 2016

Gilda

Cansado da Gilda do Rigoletto, soprano coloratura, parece que a história de uma mocinha docinha, frágil, feita pra casar com um varão bíblico. Patriarcalismo maior não tem... 

Então vamos lá, porque não Gilda, soprano dramática, loka da b***** e da paixão, tão loka por um traste insuportável disposta ao suicídio? Força, dramaticidade, loucura, paixão, extremismo mais do que candura ao papel, no caso... Chega dessas Gildas "Nathalie Dessay, Diana Damrau, Lily Pons, Edita Gruberova..." Queremos ver sangue, queremos vibratto estridente...

Mas aí acabei descobrindo que ando 70 anos em atraso, talvez não em representações do feminino, mas em produção da ópera efetivamente.


Bravo Toscanini.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Ponteiro

Dormir,
algo na noite escura
cama debruça
o tempo negocia
mais tempo
escorrem os últimos sonhos
passam apressados
sem muita forma
meio ao acaso
nem lirismo
qualquer resposta
toca trim, trim

Rencanto.
O tempo (é o despertador)
boceja nosso corpo
preguiçoso
sem saber se leva ou não
recosta indeciso
o que fazer hoje.
Tolo.

Uma silhueta
Arranca de seu peito,
coração na mão
tempo ensanguentado.
Enganado.
O golpe, o dá
revela
uma madame perfumada
de nome destino.

Risco de vida

me anunciaram de manhã
risco de vida:
porque estou cheio de palavras
entupimento curricular
escrevo
descendo a encosta
coli(u)na desalinhado(a)
trôpega, irregular
cambaleia.

acabei meio surdo
de vogais semivogais
e ando meio farto
de vozes meia-voz
de tempos em tempos
infarto.

Risco

Frase riscada,
marca-passo
Parado
Amaldiçoada

Passo marca
faz, faz
o tempo,
desfaz.

Tempo faz
o próprio desfaz
ritmo
lento

de próprio
tempo
a métrica
estática.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Só-apenas, sozinho-só

Já se pode sentir só, sim, sim, sentir-se Só,
Só se pode sentir só, sim, sim, sentir-se Só, Só, só
brio sentir-se Só, em
bria
gado mal
trata
dó sem dó Só-só,
sem ninguém estar só,
Só se pode sentirem só
vincados de desejos sós
de nuvens de margaridas, de pó
sentindo Ssó.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

A mentira da Preguiça

A maior mentira de todos os séculos é a mentira da preguiça.
Preguiça é uma palavra mentirosa e poderosa. Quando a palavra preguiça é dita em voz alta, mais propriamente, quando o fulano diz para o cicrano 'a sua preguiça', junto com ela vem um véu de mentira que esconde vastas coisas por 5 ou 6, ou talvez mais séculos (pra nós são 5).

A mentira da preguiça foi contada aqui pela primeira vez por portugueses quando chegaram ao nosso subcontinente. Porque foi o europeu que disse neste português que escrevemos, ele disse sub, e naquela época sub se chamou, e sub ficou, já pensamos desde cedo, sub que somos, acometidos no espaço pequeno de ser sub. Indolentes.

Pra justificar a superioridade dos que não tem natureza indolente e preguiçosa, criar contraposição, os preguiçosos, índios. Daí seguiram com os preguiçosos negros. Depois, bem depois, nasceu também os preguiçosos brasileiros. Hoje além destes todos a gente tem também os preguiçosos pobres, é claro. Os ricos como sabemos são árduos trabalhadores e meritocraticamente-eticamente entitulados à sua fortuna por seu bom trabalho e de seus descendentes diretos ou indiretos. "Sim, tem tudo isso, toda esta riqueza, mas trabalhou sabe? A vida inteira por três turnos, quatro se deixassem. E a família toda é assim." A mentira da preguiça limpa bem as consciências dos que não conseguem justificar riqueza. Uma vassourada bem trabalhada.

Ou podemos dizer "esta gente misturada, preguiçosa", fazendo apologia a todas estas quatro imagens-figuras, com incrível poder de síntese.

Na história, a ordem cronológica do aparecimento dos preguiçosos variou do supracitado, mas hoje nos é claro este quadro. É claríssimo aliás. Quando a palavra preguiça é dita, junto com ela segue o rabo: "índio-preto-brasileiro-pobre", nesta ordem de imagens talvez. Isto é tão poderoso que mesmo com 500 anos de história contadinha-vividinha em dias-e-dias-e-dias mais de 170 mil, milhões e milhões de horas de milhões e milhões de brasileiros conversando num imenso continente, um barulho inexorável capaz de pagar qualquer ideia forte que seja, poderíamos dizer, mas esta mentira é tão poderosa e tão forte que 500 depois continua sendo a primeira imagem que surge pra gente quando a gente conta nos dedos a preguiça. 

É de estória em estória, de jargão em jargão, de tradição em tradição, transmitida de pai pra filho, filho pra neto, bisneto que a emoção nos é passada... As palavras vão girando, girando, girando umas nas outras ao longo dos tempos, e vamos ministrando bem essa oração.

A mentira da preguiça da natureza indolente é dominante, gostosa,  mantenedora de status quo. É aquela que diz que a natureza das pessoas, AQUELAS pessoas é a indolência e a preguiça, aquela que fundamentalmente se usa deste argumento para gerar dominação: social, trabalhista, capital, sentimental, psicológica, religiosa.

(A preguiça também se sofistica em certos círculos sociais com certo requinte ou não. Você precisa ser mais pró-ativo. Sair da sua zona de conforto. Precisa ser criativo. Fracassou? Não tentou com suficiente aplicação à causa, não dedicou horas/dias/semanas/meses/anos suficientes. Ainda hoje corre nas ruas uma também de que "é só se esforçar que você vai chegar lá". Dizem que é uma preguiça do capital.) 

Que preguiça eu tenho do capital. Preguiça capital, de tudo isso, preguiça daquelas de se afundar no sétimo inferno de Dante.

Sugiro escrever a palavra preguiça sempre riscada daqui por diante com o comentário "mas é mentira tá gente?" em tamanho de fonte de nota-de-rodapé. 

Porque afinal de contas com tantos monstros andando no meio da gente há tanto tempo. E precisamos rir com coletividade deles com um gosto-gostoso um sabor docinho-azedo, de nossa preguiça. Porque quem precisa dar nome à preguiça, quem precisa negar preguiça, quem precisa "eu não sou preguiçoso", quem precisa "porque el@ é preguiços@". Este desespero, quem precisa, precisa para criar dominação e exclusão.