segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Pra hoje

Há pouco espaço e pouco tempo.
Há uma música.
Há uma ansiedade.

Existência

Eu existo.
Há um curto espaço de tempo que ainda podes admitir.

Eu existo.
Portanto.
Digas ainda logo.

Antes que tudo o que te sobre
seja apenas um "existi".
Que nem mais poderás dizer.

Antes que a morte te devora, soberba.
Antes que sussurre gulosa: "é agora... é já, chegou a minha vez".

Coisas Pequenas

Ninguém dá conta, mas há vários pequenos atos que eu queria uma marca na memória, porque eu acho que são de boas lembranças. Há no meu mundo uma teimosia crescente em não aceitar. Quando eu cresci não aceitar era necessidade de sobreviver, uma única forma. Há muita gente cuja desobediência civil, cujo não aceitar deveria ser um ato de sobreviver. Talvez na maioria de nós. Aceitamos muito mais, por preguiça.

Existiriam várias maneiras de não aceitar e a mais difícil delas era não aceitar em silêncio, porque exigia uma força interna: a força interna é "não posso fazer nada contra, ou não sei fazer nada contra, nem dizer, mas não posso aceitar, igualmente". E fazer também um esforço pra não trocar pelo conforto de se aceitar "conforto de uma paz falsa".

Oras, estes vários pequenos atos que são como heresias sociais. Heresia social, veja-se, ser mulher é uma heresia social. Não é bem o que disse a Simone de Bouvoir que "ninguém nasce mulher, mas se faz mulher", não é bem isso. É mais pelo lado do Caio Fernando Abreu "só queria ser feliz, gorda, burra e alienada e completamente feliz." Mais pelo lado de que quem nasceu mulher e vai ter que sofrer ser mulher ou não sofrer, vai ter que fazer o ser mulher, mesmo não sendo a mulher bouvoiriana. Aliás destituir o nascer mulher por um fazer mulher pra mim é pretensão desnecessária. Mas eventualmente paro apenas por uma questão vocabular.

Ser mulher é um destes pequenos atos. Ser feminista.

Eu estive pensando um pouco no feminismo e cheguei a uma idéia que pode se dizer desmedida (claro que pra mim ela não pareceu), de que o feminismo mesmo, este feminismo não existe, porque na média as feministas tem o mesmo preconceito contra os gays, que o resto da sociedade civil, o que, a meu ver demonstra que a idéia de feminismo não está clara, pra elas (uma vez que, ao associar a imagem do feminino ao homem, isto gera preconceito).
Não acho que se possa ter claro o que é feminino e o que é masculino, mas muito mais forte que isso, eu acho que NUNCA se vai poder definir com clareza isso. Disto me sobra que, afinal, cada um tenha o seu conceito de ser feminino e de ser masculino. E daí... dá no que dá e associamos os gays com "afeminados" sem nem saber se existe este certo substantivo.

E outros atos pequeno-revolucionários.

O ato ainda revolucionário de se ser gay. O ato revolucionário de se ser negro. De se ser mulher, de se ser nordestino, de se ser glbtt. De se ser criança. De se ser transexual.

O ato revolucionário de se ser tudo aquilo que a força pujante do mundo quer estraçalhar, aquilo que quer destroçar, quer ver em frangalhos. Quer, quer muito.

E não faz conta de tanto querer. Não faz, não faz, é uma força visceral, uma barbaridade, uma voracidade, um revolver-se.

Pois bem. todos estes pequenos atos são revolucionários, mesmo que não se queira. Que não se queira porque sim, há muita gente que faz o esforço reverso. Há gays que reforçam a homofobia, assim como há mulheres cujo machismo é capaz de deixar até nosso último fio de cabelo em pé.

Mas mesmo assim, a existência destes seres, estes que nem se pode comentar sobre eles, é um ato revolucionário. Uma pedra no sapato, uma pedra no sapato reversa.

Porque existir... existir incomoda.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Booleana

o deus verdadeiro
é falso
diante de outro deus
verdadeiro

se meu deus é único
e verdadeiro
e teu deus
verdadeiro e único

então teu deus
é falso e púnico

Carlos Machado

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Quantidade

Um poema por página
mais não há de se ter
pedaço preciso,
compacto e agudo.

Um apóstrofo por verso
matéria fechada
preposição,
fósforo.
Nenhuma rima.
Coração deserto,
um incêndio
reparado a ver-bandeids,

Cada ilusão, desilusão
eis tudo, a boa quantidade
costurada, acabada,
medida certa.

Para evitar fadiga,
receita prescrita
silêncio indispensável,
solidão.